MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

APÓS CONDENAÇÃO, ARCEBISPO ACUSA JUDICIÁRIO DE CORRUPÇÃO


Arcebispo questionou quando começará uma faxina no Judiciário - Léo Gerchmann, ZERO HORA ONLINE, 31/10/2011; 19h55min


Indignado com uma condenação do Tribunal de Justiça de São Paulo, o arcebispo de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings, acusou o Judiciário de corrupção.

— O problema da corrupção no Brasil tem sua base exatamente ali, no Judiciário. Todos sabem disso, mas poucos têm coragem de denunciá-lo. Nossa presidente começou a faxina no Executivo. Quando será a vez do Judiciário, onde o problema é muito mais grave? — disse o arcebispo.

Dom Dadeus foi condenado, juntamente com a diocese de São João da Boa Vista (SP), a pagar indenização de R$ 940 mil a uma família de Mogi Guaçu (SP).

A entrevista coletiva de Dom Dadeus, que se iniciou às 14h, teve como objetivo o anúncio de "fato relevante". Na sua fala, ele começou dizendo que "chegou ao fim mais um capítulo da agressão do Judiciário contra a Igreja Católica".

No final da tarde, a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) divulgou nota de indignação quanto à declaração de Dom Dadeus. "É necessário que a cidadania perceba que um país, para ser substancialmente democrático, deve contar com um Poder Judiciário laico, imparcial e independente", diz a nota, que é assinada pelo presidente da associação João Ricardo dos Santos Costa.

Confira na íntegra a nota da Ajuris:

"A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) vem a público manifestar toda a indignação da Magistratura gaúcha em face das declarações do Arcebispo de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings, que atribui ao Poder Judiciário a condição de ente corrompido, impulsionado por ter sido condenado em ação de indenização por fato que lhe foi imputado, ocorrido na cidade de Mogi Guaçu (SP).

Esta prática adotada pelo Arcebispo está cada vez mais disseminada no Brasil, notadamente quando o Judiciário decide em desfavor de segmentos que desfrutam de poder diferenciado na sociedade.

É necessário que a cidadania perceba que um país, para ser substancialmente democrático, deve contar com um Poder Judiciário laico, imparcial e independente. Lamentavelmente, alguns quadros da vida pública ainda não se deram conta do quanto é importante tal condição para uma nação.

Reiteramos que a postura inquisitorial do Arcebispo é inaceitável. Da mesma forma, registramos o grande respeito que temos pela Igreja Católica, e todas as outras religiões.

Entretanto, não podemos admitir que qualquer religioso, em nome de sua crença, insulte pessoas e instituições de forma arbitrária, numa quase retrospectiva da inquisição medieval.

A Ajuris sempre exigirá pronta apuração de qualquer irregularidade no Poder Judiciário, mas não admitirá a ofensa generalizada e irresponsável, de qualquer autoridade, simplesmente pelo fato de ter seus interesses contrariados por decisão judicial. Repudiamos tal comportamento pelos evidentes danos que causa à democracia".


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O nosso querido e admirado arcebispo pisou na bola nestas declarações. Deixou a emoção tomar conta ao generalizar. Todos sabemos e este blog tem mostrado que o Judiciário brasileiro é cheio de mazelas e estas o impedem de ser um poder confiável e capacitado para atender o volume intenso da demanda por justiça, criando dificuldades, injustiças e abandono das pessoas quem não são poderosas. O Brasil precisa sim de "Judiciário laico, imparcial e independente", como afirma a AJURIS, mas sabe que nosso judiciário é parcial, separado do Estado, centralizador, divergente, corporativo e dependente da classe política, sem falar de uma constituição esdrúxula e anti-cidadã, um arcabouço jurídico cheio de brechas e privilégios e outras tantas mazelas (constam no rodapé deste blog) que impedem os juízes de cumprir a função precípua da aplicação coativa das leis.

Vale a voz do arcebispo para tirar da inércia o corpo de magistrados honestos, diligentes, vigilantes e corajosos como a Ministra Calmon e o Juiz D`Santis para mudar a aplicação das leis e a promoção de justiça, eliminando estas mazelas, saneando os quadros, descentralizando o transitado em julgado e capacitando o poder para atender a demanda por justiça de forma ágil, imparcial, independente, como integrante do Estado, complementando as ações dos outros poderes e exigindo segurança jurídica por parte dos congressistas e responsabilidade penal e política por parte do Poder Executivo e dos seus fiscais.

sábado, 29 de outubro de 2011

IMPRENSA DEVE FUNDAMENTAR CRÍTICAS AO JUDICIÁRIO

Antonio Celso Aguilar Cortez é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Revista Consultor Jurídico, 27 de outubro de 2011

De quem trabalha com a liberdade e os patrimônios materiais e imateriais das pessoas o mínimo e o principal que se exige é probidade. Para erros do juiz a legislação contém sistema de controles e revisões que, se não impede eventual falha de caráter, possibilita evitar e/ou corrigir os raros atos de desonestidade, na maioria das vezes. Mais difícil é impedir, reprimir ou corrigir as consequências da difamação, da injúria e até da calúnia espalhadas aos quatro ventos por quem tem à disposição os meios de comunicação e os utiliza com má fé ou irresponsabilidade.

A sociedade civil tem a oportunidade de discutir a importante questão da atuação do CNJ e tem o direito de ser informada a respeito dos fatos que lhe permitam influir sobre o tipo de controle necessário para o Poder Judiciário. A função da imprensa é fundamental. Cabe a ela colher as informações necessárias e esclarecer a opinião pública sem se permitir a influência de “pré-conceitos” desprovidos de fundamentos.

É regra conhecida a que determina ao jornalista ouvir os dois lados sobre fatos controvertidos e buscar a verdade para bem informar o cidadão. A responsabilidade de quem dispõe de espaço e/ou tempo na imprensa exige respeito às diferentes opiniões e impõe separar e informar o leitor/ouvinte/telespectador sobre o que é opinião pessoal e o que é fato.

Ao ceder espaço para “comentaristas” a imprensa deveria esclarecer não apenas sua formação profissional, mas também sua qualificação para comentar o assunto em pauta; por isto, não deveria um juiz ser ouvido sobre assunto de medicina nem o médico opinar sobre o funcionamento do Poder Judiciário, por exemplo, a não ser demonstrando saber do que fala, ou que o faz como cidadão, de modo especulativo, sem compromisso com a verdade, e informando o publico sobre isto. Apenas os jornalistas podem falar o que lhes venha à cabeça sobre tudo, sabendo ou não do que falam.

Já houve quem se valesse de informações colhidas no site do STF para criticá-lo exatamente por falta de transparência. Infelizmente, há pessoas que sob as luzes dos holofotes discursam sobre qualquer coisa, induzindo os incautos a tê-los como porta-vozes da verdade indiscutível. Com suas próprias réguas e compassos, os Torquemadas de plantão são incapazes de admitir que um juiz seja idealista e honesto, não um sangue-suga do Poder Público.

Na questão do CNJ, a imprensa deveria, entre outras apurações, informar quantas punições fez esse órgão, mas informar também quantas os órgãos do Poder Judiciário fizeram no mesmo período. Só assim alguém poderá concluir que algum deles é inoperante.

Parece, todavia, irresistível (des)qualificar singelamente a posição de alguém como “corporativista” apenas porque é contrária à de quem detém o poder de ter a última palavra sobre qualquer coisa. Recentemente, o CNJ abrandou uma punição aplicada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. A imprensa nada noticiou até agora.

Se a decisão do CNJ fosse de agravar essa punição, a mídia teria argumentos para provar o corporativismo. Se não tem, silencia. De modo geral, as invectivas são tidas como verdades absolutas e os desmentidos não merecem o mesmo destaque, quando merecem algum. A função de jornalista ou assemelhada confere salvo-conduto para o bem e para o mal. E o despreparo, a desinformação, o preconceito e a má fé causam danos irreparáveis a muita gente, impunemente.

As deficiências do Poder Judiciário são inegáveis, integrado por pessoas sujeitas às paixões humanas, e ninguém quer impunidade para juízes. Mas à imprensa cabe buscar a verdade sobre as divergências. Para acusar de corporativista qualquer juiz é imprescindível se informar sobre sua história e honradez e ouvi-lo, como acabou sendo feito por um órgão de imprensa com o presidente do STF, depois da saraivada de críticas. Teria ele razões para proteger juízes desonestos? Se tem, a imprensa deve dizer; se não tem, não deve ser acusado infundadamente. Cabe procurar saber e divulgar o que o move.

É irrelevante observar que a corregedora do CNJ quis, como deve ter querido, se referir a uma minoria de juízes como ímprobos. Qualquer um sabe que seu discurso pôs em dúvida, de fato, a honestidade, nosso maior patrimônio, de todos nós, porque atirou ao vento sua acusação.

É, sim, ofensivo e encontra apoio em todos que querem desprestigiar e enfraquecer o Poder Judiciário, mais do que melhorá-lo. A fala do presidente do Conselho Federal da OAB, referindo-se a volta a período de trevas, referenda a necessidade de caça às bruxas sem indicar casos concretos que deixaram de ser investigados ou punidos.

Sugere que o CNJ é, ele sim, integrado por pessoas acima das paixões humanas, únicas capazes de por nos eixos o Judiciário. Para discursar sobre corporativismo, a OAB é pouco confiável. Poderia ela tornar público, por exemplo, o modo como é conduzido nos bastidores o ingresso - sem concurso público - de advogados diretamente nos Tribunais, para esclarecer se se trata ou não de sinecura e reserva de mercado corporativista, se possibilita acesso de grandes juristas ao Poder Judiciário e se o faz pelos méritos dos indicados, não por razões eleitoreiras internas, políticas, de tráfico de influência, de compadrio ou de mercado de trabalho e aposentadoria.

Poderia questionar os bastidores do acesso aos cargos de juízes dos Tribunais Superiores e, com relação ao Superior Tribunal de Justiça, o acesso de juízes oriundos do quinto constitucional como se fossem de carreira. E pode, como faz, questionar os inconvenientes de eventual enfraquecimento do CNJ, é óbvio.

Entretanto, é importante deixar clara a importância de se impedir abuso ou desvio de poder, seja de quem for, inclusive do CNJ, sem esvaziá-lo. Cabe a este órgão exigir do Poder Judiciário as medidas saneadoras necessárias e tomar essas medidas se a instituição não se mostrar capaz de atender ao princípio da eficiência, jamais permitindo que se omita, ou atue de modo corporativista.

Mas não se trata da luta do Bem contra o Mal. Entre os maiores defeitos do Judiciário não está a honradez da esmagadora maioria de seus integrantes, que as raríssimas exceções confirmam. De mazelas, como o Poder Judiciário, não estão isentos o CNJ, a OAB e a imprensa. Para saná-las, o discurso deve ser aberto e informado. A demagogia não serve ao Estado de Direito democrático.

O CAOS NA JUSTIÇA

PAULO SANT’ANA - ZERO HORA 29/10/2011


Antes de assinar autógrafos num caderno de literatura patrocinado pela Ajuris, para o qual foi escolhida uma crônica minha, visitei na 3ª Vara Cível a juíza Jane Vidal, minha amiga.

Fiquei condoído, uma juíza tem somente, como quadro de funcionários, um assessor, uma secretária e uma estagiária.

Três funcionários em uma vara importante para receber 250 processos diários. A 3ª Vara Cível tem, portanto, 5 mil processos por mês para julgar. Três funcionários!

Eu imaginava que uma vara judicial contasse, no mínimo, com 18 funcionários.

Mas não, a precariedade é total em toda a Justiça Comum.

Mas nas Varas Cíveis não é nada, nas varas da Fazenda Pública, em cada uma, há cerca de 30 mil processos para julgar. E há a mesma necessidade alarmante de servidores.

Um caos e um colapso que só são atenuados pelo verdadeiro milagre que realizam os magistrados, fazendo das tripas coração para distribuir justiça.

Que me desculpem os magistrados, mas para meu público sou obrigado a opinar sobre a verdade.

E a verdade é que não se pode fazer justiça nesses termos.

Esta é a justiça da pressa, do açodamento. E só é lícito ter pressa na justiça os demandantes, os clientes, que têm sede de justiça e pressa portanto para obtê-la.

Como é que um juiz vai estudar 5 mil processos por mês, cuidando dos detalhes, esmiuçando as peças dos processos e ainda tem a incumbência de realizar audiências demoradas? Como é que pode?

Corre-se o risco da pressa e do açodamento. Risco que não se pode correr quando se trata de prestação jurisdicional, isto é, de prestação da Justiça.

Não há lógica em a sociedade inteira acorrer à Justiça em busca de justiça – e o lugar em que mais se acorre para buscar justiça no Brasil é o RS, segundo pesquisa recente – e lá encontrar pela frente algumas salas de uma vara completamente repletas de processos, e uma pobre juíza com três funcionários ter de dar conta de tudo isso?

Não pode, decididamente não pode.

Não sei como o Conselho Nacional de Justiça pôde declarar esses dias que a melhor de todas as Justiças brasileiras é a gaúcha. Mas com três funcionários em cada vara? Como será então no Sergipe?

A Polícia Civil gaúcha, como todos sabem, está quebrada, foi quebrada por sucessivos governos gaúchos nas últimas décadas, tanto que dispõe do mesmo efetivo de funcionários hoje que tinha há 40 anos.

Pois chegamos ao absurdo de que, com as delegacias da Polícia Civil vazias de funcionários, o que é reclamado por toda a população, tem mais funcionário em uma delegacia do que numa vara da Justiça.

Isso é um despropósito.

Olhando-se friamente para esse quadro de pessoal desolador da Justiça gaúcha, chega-se à conclusão de que o RS e o Brasil vivem um estágio primitivo de civilização.

E, apesar da minha alegria em visitar os pretórios, estragou-me o dia, na semana passada, em que fiz aquela visita.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Este é o problema de um poder de Estado, cujas mazelas vem desacreditando a justiça no Brasil, que só investe em salários, gastando nisso a maior parte do seu orçamento. Assim, faltam recursos para aumentar o número de varas de justiça, de juízes e de servidores para atender a crescente demanda. Como também faltam recursos para melhorar a estrutura do poder para reduzir a burocracia, agilizar os processos e dar continuidade ao esforço do Ministério Público, das forças policiais, dos defensores públicos, dos agentes prisionais e das pessoas que buscam na justiça a solução de suas divergências e direitos. Somando tudo, falta no Brasil vontade política de construir uma nova e enxuta constituição capaz de descentralizar a justiça e o transitado em julgado, harmonizar direitos e deveres, reduzir os benefícios e privilégios, integrar poderes e promover a paz social no país com uma justiça coativa e comprometida com a supremacia do interesse público.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

MOROSIDADE - 11 ANOS PARA PEDIR CONDENAÇÃO DE ACUSADOS DE DESVIAR DINHEIRO PÚBLICO

Onze anos depois. Procuradoria Militar pede condenação de 12 oficiais acusados de desviar R$ 2 milhões - O GLOBO, 27/10/2011 às 22h57m; Gabriel Mascarenhas

RIO - O Ministério Público Militar (MPM) pediu à Justiça a condenação de oito coronéis, dois tenentes-coronéis e dois capitães do Exército, acusados de participar de um esquema de desvio de verbas no hospital central da força (HCE), entre 1994 e 1996. De acordo com o MP, os 12 militares são responsáveis por superfaturamentos na compra de materiais médico-hospitalares, como equipamentos e remédios, que representaram prejuízo de aproximadamente R$ 6 milhões (valores corrigidos).
A ação se arrasta na Justiça Militar desde 1997. Se condenados, depois de encerradas todas as possibilidades de recursos, cada um deles poderá cumprir penas que variam de três a 15 anos de prisão.

Na ocasião, entre agosto e dezembro de 1996, O GLOBO publicou reportagens mostrando que o HCE pagou até 114% a mais por alguns produtos hospitalares.

Em sua alegação final, o promotor Ednilson Pires se baseia em 23 laudos contábeis para afirmar que os acusados tinham movimentações financeiras incompatíveis com suas rendas - um deles teria movimentado R$ 500 mil em dois anos. O MPM afirma que o grupo fraudou licitações e emitiu aos fornecedores notas de empenho com quantidades de produtos inferiores às que entravam no estoque da unidade de saúde, e com preços acima dos encontrados no mercado.

Sustenta ainda que os acusados contrataram empresas impedidas de concorrerem em licitações públicas por determinação da Justiça federal.

No documento enviado aos integrantes do Conselho Especial de Justiça para o Exército, o promotor escreveu que "houve uma empreitada criminosa previamente planejada que resultou no desvio de vultosa quantia de recursos públicos".

"Desvio de recursos em proveito próprio e alheio"

Ele também alerta que houve "favorecimento de fornecedores" e dos próprios agentes administrativos. Ainda segundo o promotor, foi percebida incompatibilidade da movimentação bancária de alguns acusados no período investigado. Ele conclui que isso "evidencia o desvio dos recursos em proveito próprio e alheio".

À época das denúncias, o coronel Roberto Nazareth Torres ocupava a direção da unidade, o coronel Jorge Augusto Faria da Silva era o coordenador de despesas, enquanto o também coronel Pedro Manoel Cherfen Neto estava à frente do departamento de Fiscalização Administrativa. Na Comissão de Licitações trabalhavam os coronéis Elton da Silva Neves e Dilcio Maciel Chaves, os tenente-coronéis Antonio Augusto Renaud e Idovaldo Protti Rosas, o major Paulo Santoro e os capitães Douglas Rodrigues da Costa e Orlando Luiz de Souza. Fecha a lista de acusados o coronel Gilberto Guimarães, então auxiliar de questões administrativas.

O GLOBO localizou dois dos acusados de participar do suposto esquema. Ambos reformados, o coronel Roberto Nazareth Torres e o tenente-coronel Antonio Augusto Renaud negaram as acusações e desqualificaram os laudos.

- Essa ação corre há quase 20 anos e não conseguiram provar nada até agora. Por uma razão simples: não houve desvio algum por parte de nenhum de nós - defendeu-se o coronel.

Já Renaud disse estar confiante de que será inocentado:

- A Justiça pode tardar, mas não falha.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Onde anos depois? Que justiça é esta?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

DESVIO NO TRIBUNAL

Justiça manda Lalau devolver o dinheiro - ZERO HORA 27/10/2011

Já condenado à prisão pelos crimes de peculato, estelionato e corrupção, o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, foi condenado a devolver o dinheiro desviado em superfaturamento na construção do Fórum Trabalhista da Barra Funda, em São Paulo, entre 1994 e 1998. Além de Lalau, foram condenados 17 réus – quatro pessoas físicas e 13 jurídicas –, o que inclui o ex-senador Luiz Estevão.

Cabe recurso do julgamento. O ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região Délvio Buffulin foi absolvido.

A decisão da juíza da 12ª Vara Federal Cível em São Paulo, Elizabeth Leão, foi tomada na segunda-feira e divulgada na edição de ontem do Diário Oficial. Segundo a acusação do Ministério Público Federal, nas duas ações civis públicas, foram desviados R$ 203 milhões durante a construção do fórum. Os valores serão atualizados durante a liquidação da sentença. “Restou demonstrada nos autos da ação criminal a existência de uma complexa estrutura que se formou entre os co-réus para cumprir seus fins escusos”, diz a juíza, na decisão.

Sobre Nicolau, a juíza disse que são inequívocas as provas de seu enriquecimento ilícito, pois “não decorreu dos rendimentos de sua atividade de magistrado, sendo inexplicável a relação renda versus patrimônio”.

Em setembro, a Advocacia-Geral da União (AGU) havia divulgado que obteve decisão favorável da Justiça para reaver R$ 55 milhões desviados durante a construção do prédio.

Nicolau já havia sido condenado a 26 anos, seis meses e 20 dias, em regime fechado, em maio de 2006. Desde agosto de 2007, ele cumpre prisão domiciliar por motivo de saúde.

Já Luiz Estevão, de acordo com o processo, recebia cheques da construtora Incal, responsável pela obra, e seria o maior beneficiário do desvio do dinheiro do TRT-SP. O senador perdeu o mandato por falta de decoro parlamentar e foi acusado de estelionato, formação de quadrilha, falsidade ideológica, peculato e corrupção passiva.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

PARALISAÇÃO - AJUFE CRITICA MEDIDAS DO CJF

RESPOSTA A ATAQUES. Ajufe critica medidas do CJF contra a paralisação - Revista Consultor Jurídico, 25 de outubro de 2011

A Associação dos Juízes Federais do Brasil entende que a decisão do Conselho da Justiça Federal — de pedir que a Advocacia Geral da União denuncie juízes às Corregedorias dos Tribunais Regionais Federais e que estas monitorem aqueles magistrados que participarem da paralisação prevista para o próximo dia 30 de novembro — é inconstitucional e truculenta, sem qualquer amparo legal. O presidente da entidade, Gabriel Wedy, afirma em nota que o CJF “prega o denuncismo por outro Poder da República e a perseguição de magistrados federais pelas corregedorias”.

Após ser comunicado pela Ajufe que os juízes não farão intimações nem citações da AGU, em protesto marcado para o fim de novembro, o presidente do Superior Tribunal de Justiça e do CJF, Ari Pargendler, decidiu, de ofício, abrir processo administrativo para investigar juízes que deixarem de intimar e citar a União. O ministro Ari Pargendler afirmou que "o juiz não pode se valer de seu cargo para qualquer outra atividade que não seja a jurisdição".

Ao reafirmar a legitimidade da paralisação, o presidente da Ajufe, ressaltou que “o movimento dos juízes federais vai concentrar as intimações dos processos da União sem prejudicar a população, pois realizará normalmente as intimações nos processos de que são autores os cidadãos que buscam a sua aposentadoria, pensões, direito à saúde, bem como ações criminais”.

Para o presidente, a decisão do CJF “prega o denuncismo por outro Poder da República e a perseguição de magistrados federais pelas corregedorias, enquanto deveria lutar pelo cumprimento da Constituição Federal e pelos direitos e prerrogativas dos juízes nela previstos, que acima de tudo são garantias da sociedade para um Judiciário imparcial e independente”.

A Ajufe e o CJF vem travando veementes debates por meio de notas desde que em assembléia geral os juízes decidiram concentrar as intimações e citações da União no dia 29 de novembro e paralisar as atividades no dia 30 de novembro para pressionar a Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados a aprovar o projeto de reajuste salarial do Judiciário.

Em manifestações anteriores, Gabriel Wedy já havia dito: “Estamos defendendo democraticamente o cumprimento da Constituição Federal e defendendo a legalidade, o Poder Judiciário têm sido subjugado pelo Poder Executivo e Legislativo sem que nada seja feito. Estamos utilizando um meio democrático de sensibilização amparado por nossa Magna Carta. Os juízes federais serão defendidos administrativa e judicialmente porque nada temem, estão defendendo a CF anualmente descumprida pelos Poderes da República."

Em resposta o ministro Ari Pargendler, quando decidiu abrir o processo administrativo contra a paralisação, manifestou em seu voto que, “os atos de ofício devem ser praticados no tempo próprio, nem antes nem depois. O juiz que esquece esses postulados básicos de sua função não está à altura do cargo que exerce".

Leia a nota da Ajufe em resposta à decisão do Conselho da Justiça Federal:

A Ajufe entende como inconstitucional e truculenta, sem qualquer amparo legal, a decisão do Conselho da Justiça Federal em pedir que a Advocacia Geral da União denuncie juízes federais às Corregedorias dos Tribunais Regionais Federais e que estas monitorem aqueles magistrados que participarem da decisão democrática tomada na Assembléia Geral Ordinária XXVIII Encontro Nacional dos Juízes Federais que consiste na concentração das intimações da União no dia 29 de novembro e posterior paralisação com os magistrados trabalhistas no dia 30 de novembro, respectivamente.

A magistratura federal sai revigorada, motivada e fortalecida com a malsinada decisão do CJF. Os juízes federais continuarão lutando por mais segurança (dezenas foram ameaçados de morte em função de sua atuação efetiva no combate ao crime organizado), estrutura de trabalho, saúde, previdência e uma política remuneratória (cumprimento do Art. 37, inc. X, da CF).

Como membros de Poder, os magistrados não vão se vergar a uma ameaça incompatível com o Estado Democrático de Direito que vigora em nosso país e garante o direito de greve no seu art. 9 do qual a concentração de intimações da União é mero corolário.

O movimento dos juízes federais vai concentrar as intimações dos processos da União sem prejudicar a população, pois realizará normalmente as intimações nos processos de que são autores os cidadãos que buscam a sua aposentadoria, pensões, direito à saúde, bem como ações criminais.

Continuaremos lutando pelo fortalecimento de uma justiça federal que possa levar uma justiça mais rápida, barata, acessível e que no aspecto criminal não admita a impunidade e a corrupção no nosso país.

Lamentamos a decisão do CJF que, em tempos de democracia, prega o denuncismo por outro Poder da República e a perseguição de magistrados federais pelas corregedorias, enquanto deveria lutar pelo cumprimento da Constituição Federal e pelos direitos e prerrogativas dos juízes nela previstos, que acima de tudo são garantias da sociedade para um Judiciário imparcial e independente.

Vamos seguir firmes e fortes na resistência contra as sucessivas violações de nossas prerrogativas constitucionais.

Brasília, 25 de outubro de 2011

Gabriel Wedy, Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil- AJUFE

ESTARDALHAÇO

BEATRIZ FAGUNDES, REDE PAMPA, O SUL
Porto Alegre, Quarta-feira, 26 de Outubro de 2011.


Não existe rigorosamente nenhum fato novo.

Não dá para entender o estardalhaço sobre a abertura de inquérito solicitada pela ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, do STF (Supremo Tribunal Federal), para investigar as suspeitas de envolvimento do ministro do Esporte, Orlando Silva, no suposto esquema de corrupção na pasta. Não existe rigorosamente nenhum fato novo. Ela atendeu a um pedido do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que na semana passada requereu a abertura formal da investigação.

Convém lembrar que, no último dia 17, o próprio ministro protocolou um ofício solicitando ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a apuração das denúncias veiculadas pela revista Veja. Ontem, atendendo pedido do procurador, a ministra Carmem Lúcia pediu ao TCU (Tribunal de Contas da União) que informe se existem processos em andamento no órgão sobre convênios firmados no âmbito do Ministério do Esporte. Ela também requisitou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) que encaminhe ao Supremo inquérito que investiga a participação do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, nas supostas irregularidades. Quando esse inquérito chegar do STJ, o procurador-geral da República analisará se há conexão entre os fatos investigados naquele tribunal e no Supremo.

Se houve essa conexão, o inquérito poderá ser transferido do STJ para o Supremo. Este é o caminho republicano e normal do enredo. O resto é tão somente julgamento antecipado. Além de pedir investigação da PGR, Orlando Silva também solicitou investigação da Polícia Federal e, lá, como já se sabe, o delator admitiu não possuir provas contra o ministro. Resta aguardar que a justiça seja feita. Se corrupto, que pague por seu crime e desapareça da vida pública.

Estranho que não mereça manchetes a decisão do Ministério Público Federal em São Paulo que pediu à Polícia Federal para abrir outra investigação sobre o onipotente presidente da CBF e do Comitê de Organização da Copa, Ricardo Teixeira, por compra de avião e ações. Em setembro, outro inquérito foi aberto para apurar crime financeiro e lavagem de dinheiro. A empresa Sanud, (com sede em paraísos fiscais), dirigida pelos irmãos do cartola, Ricardo e Guilherme, é a principal fonte de investigação no Rio de Janeiro. Na Suíça, esta empresa aparece na lista de suborno de dirigentes da Fifa.

O procurador da República, Marcelo Freire, quer confrontar a declaração de bens da família de Ricardo Teixeira com o volume de riqueza e movimentação financeira registrada. O caso da compra de um avião será investigado em São Paulo. Segundo consta, Teixeira teria comprado um avião que vale milhões, em um negócio direto com a empresa Cessna, e na nota da venda o preço da aeronave foi fixado em 1 dólar, menos, portanto, que 2 reais. Atenção, a informação é esta mesmo, a nota fixa o valor do avião em um dólar!

Devemos ser imparciais na medida do bom senso. Se o peso é corrupção, não podemos ter duas medidas: uma para os poderosos e outra para eventuais desafetos ideológicos. A conferir!

terça-feira, 25 de outubro de 2011

PEC DOS RECURSOS COLOCA CONSTITUIÇÃO EM JOGO

DIREITOS ABSOLUTOS. Walter Alexandre Bussamara é advogado e sócio do escritório Walter Bussamara Advocacia e Consultoria Jurídica, mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da PUC-SP. Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2011


Fomentada pela perene expectativa em face de uma mais célere e efetiva Justiça, nossa Magistratura, em peso, parece estar convicta quanto aos efeitos positivos a serem desencadeados pela Proposta de Emenda Constitucional que pretende modificar o atual modelo de execução das decisões judiciais proferidas.

Esta proposta, de autoria do presidente do Supremo Tribunal Federa, o eminente ministro Cezar Peluso, que vem sendo chamada de PEC dos Recursos, visa a tornar terminativas as decisões emanadas, ordinariamente, pelos tribunais de segunda instância, as quais já passariam a ser, desde então, exequíveis, sob o manto da coisa julgada. Com isso, os atuais recursos Especial e Extraordinário, previstos constitucionalmente (artigos 105, III, e 102, III, respectivamente), continuariam a existir, porém, sob uma renovada conjectura. Igualar-se-iam, assim poderíamos dizer, a uma espécie de Ação Rescisória, que se veria materializada já com o trânsito em julgado daquelas decisões ordinárias.

De fato, caso aprovada a alteração constitucional, em questão, a admissibilidade dos aludidos recursos não obstará mais, sem qualquer exceção, o trânsito em julgado das decisões que os comportarem[1]. Noutras palavras, estaremos diante de um encurtamento de fases processuais que, inobstante seja bem intencionado e provoque uma sempre desejada celeridade processual, trará um benefício, apenas, aparente. Esconderá, por trás, o tolhimento de um direito, ao menos em sua plenitude, fortemente consagrado em nosso Ordenamento Positivo, em meio a um cenário, com a máxima das vênias, desesperadamente maquiavélico, em que os fins justificariam os meios.

Com efeito, atendo-nos ao capítulo constitucional condizente com os direitos e garantias fundamentais, percebemos com solar clareza a individualização, pelo legislador constituinte originário, de direito atinente ao exercício da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art.5º, LV, CF), devendo a sua melhor hermenêutica ser sistematizada com a dicção dos já referidos artigos 105, III e 102, III da CF. Segundo os dispositivos, caberão os recursos Especial e Extraordinário, respectivamente, quando, em linhas gerais, depararmo-nos com decisões que afrontem uma dada lei federal ou a própria Constituição, sob uma circunstância, porém, obstativa do trânsito em julgado das referidas decisões.

Podemos verificar, então, a materialização, originária, em nível de supremacia constitucional, de direito individual condizente com a defesa ampla. No nosso caso, encorpada pelos citados recursos maiores, nos exatos moldes em que foram definidos pela própria Carta da República, com a inerente força de obstar o trânsito em julgado, nos autos, até as derradeiras apreciações das decisões que os alicerçam. Aliás, o julgamento dos aludidos recursos, a bem da verdade, condiciona a ocorrência da coisa julgada, sendo este o desenho constitucional do direito individual em apreço.

E por terem, tais recursos, sob a aludida circunstância, sido eleitos como remédios extremos pela Constituição, em confirmação axiológica ao próprio primado da ampla defesa, de sorte a assumirem verdadeiro status de direitos constitucionais fundamentais, não poderiam ser objeto de qualquer proposta de emenda que lhes viesse a suprimirsua própria eficácia. Esta manifestada no sentido de obstar, até seu julgamento final, a coisa julgada, ao menos, querendo-se ver respeitadas as determinações do artigo 60, parágrafo 4º, IV, daquela Carta, segundo as quais: “P.4º- Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais.”

Desta feita, estamos diante de limitação construída pela própria Constituição, que impede qualquer atuação, derivada, ameaçadora de direitos fundamentais que, originariamente, pretendeu erigir, interessando-nos aqui os relativos à ampla defesa e aos recursos extremos de competência das Cortes Superiores, na condição de verdadeiros óbices à coisa julgada.

Pensamos, então, que a nossa Constituição nos permite entender, sim, que o acesso aos Tribunais Superiores, sempre antes da decretação do trânsito em julgado em um processo, constitui-se em direito subjetivo fundamental das partes litigantes. E proteger esse direito equivale a preservar, em última análise, o magno sobreprincípio da segurança jurídica, em todas as vertentes do mundo fenomênico (tributária, penal, civil etc.), como corolário direto e mais relevante de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Não se poderia conceber, de fato, qualquer justificativa de que o excesso de recursos, como os extremos, impediria a celeridade da prestação jurisdicional, mormente, quando estamos a tratar de direitos a recursos nascidos, convém repetirmos, no próprio bojo da Constituição. Ademais, a atual morosidade judiciária ultrapassaria, por certo, as fronteiras de qualquer comportamento abusivo relacionado à interposição dos aludidos recursos.

Antes, ainda, outras causas suas apareceriam, merecedoras de prioritária atenção dos detentores do Poder, com destaque às imensas formalidades burocráticas dos recursos atuais e à falta de maiores e mais programados investimentos financeiros e humanos dentro dos órgãos jurisdicionais.

Vários exemplos poderiam bem refletir um aprimoramento da máquina judiciária atual, tais como, a simplificação dos requisitos formais de admissibilidade recursal visando a um maior ganho de eficiência e segurança em todas as instâncias; a revisão dos privilégios fazendários, representados pelo prazo em dobro para recorrer, com o duplo grau obrigatório diante das sentenças que lhe sejam desfavoráveis; o fomento tecnológico programado e a todos acessível; a ampliação pessoal da capacidade de julgar e de apoio técnico; a adequação e capacitação físicas do ambiente de trabalho etc.

Ademais, também não podemos nos esquecer de que, no caso dos recursos extremos, inobstante as lacunas acima referidas, já são os mesmos dotados, de certa forma, de expedientes, de per si, propulsores de uma maior celeridade de tramitação. Com destaque aos institutos da “representatividade da controvérsia” (no recurso especial) e da “repercussão geral” (no recurso extraordinário).

Enfim, é a própria Constituição que está em jogo, permitindo-nos, sinceramente, desejar que o próprio STF, enquanto seu legítimo guardião, venha a melhor e, ainda em tempo, reavaliar a sua proposta de emenda à Carta das Cartas. É na intentio constitutiones que se deve assentar o almejado Pacto Republicano, onde, tanto a sociedade como o governo, devam sair vitoriosos na luta por um Poder Judiciário mais dinâmico e funcional.

Afinal de contas, os direitos constitucionais individuais não podem se constituir como “simples letras mortas” ou, como “meras recomendações”, apenas circunstancialmente integrantes do Texto Maior.

[1]Proposta redacional para a CF: “Art. 105- A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte. Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.”

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A constituição já foi colocada em jogo quando produziram várias emendas alterarando o texto e a finalidade de diversos dispositivos originais. É uma carta-magna esdrúxula e detalhista que precisa ser substituída por outra mais enxuta e com textos próprios de uma verdadeira constituição. Já está na hora de tirar da constituição a centralização burocrata da justiça, direitos sem deveres, benefícios sem contrapartidas, corporativismo cheio de privilégios, os dispositivos utópicos, os títulos impróprios, e as divergências com os ótimos princípios apresentados nos primeiros artigos da carta-magna. Só assim poderemos descentralizar o transitado em julgado; reduzir os recurso; diminuir os prazos e instâncias; fortalecer o juiz natural e os tribunais regionais; tornar o voto facultativo; submeter o interesse individual à supremacia do interesse público; extinguir o Senado Federal; limitar o orçamento e o número de servidores no Legislativo; tornar obrigatório o trabalho prisional; entre outra mazelas que violam os princípios democráticos e republicanos, o direito administrativo e a paz social no Brasil.

AUTONOMIA NO ORÇAMENTO

Integrantes do TJ-SP pedem independência financeira. Pedro Canário, repórter da revista Consultor Jurídico. Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2011

O Tribunal de Justiça de São Paulo luta por sua independência financeira. Atualmente, o orçamento do TJ é decidido pelo governo do estado, por meio de lei orçamentária aprovada na Assembleia Legislativa de SP (Alesp). Para 2012, o tribunal pediu R$ 13,2 bilhões. No ano passado, a proposta orçamentária foi de R$ 12,3 bilhões, mas recebeu apenas R$ 5,7 bilhões.

A maior parte do valor pedido pelo TJ é para quitar atrasados da folha de pagamento, segundo seus representantes. Segundo o presidente do Tribunal paulista, desembargador José Roberto Bedran, a folha de pagamento representa 90% do orçamento do Judiciário do estado. Durante no lançamento do Anuário da Justiça de São Paulo, na última sexta-feira (21/10), no Salão dos Passos Perdidos do Tribunal, ele resumiu a demanda de seus colegas: "Nosso problema é pessoal. Precisamos pagar pessoal, mas o nosso orçamento é muito baixo."

O presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), desembargador Paulo Dimas Mascaretti, também presente ao evento, enxerga questões mais complicadas. Segundo ele, o grande desafio da Justiça paulista é a morosidade, que "tem de ser enfrentada com um choque de gestão". "Mas isso só virá com recurso financeiro adequado", o que coloca o TJ nas mãos dos deputados estaduais.

O choque
Parte desse choque de gestão está no gerenciamento financeiro das contas do TJ-SP. Os magistrados paulistas ouvidos pela ConJur durante o lançamento do Anuário foram unânimes em defender a autonomia orçamentária do Judiciário. Isso porque, em São Paulo, o que a Justiça arrecada vai para um fundo estadual comum; é o mesmo destino que a arrecadação de alguns tributos, ou pagamento de multas, por exemplo.

Essa falta de autonomia pode significar, inclusive, um embate com o que diz a Constituição. Segundo explicação do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, a Constituição deu autonomia ao Judiciário, assim como deu aos outros poderes da República. "E é importante que o Legislativo leve isso em consideração, porque quem ganha é a população."

Também presente no lançamento do Anuário de São Paulo, o ministro esclarece: “o Estado é um só, e não quer reservas específicas. O importante é que se tenha consciência da importância de o Judiciário ter um orçamento adequado”.

A independência

A solução, para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e desembargador do TJ-SP, Henrique Nelson Calandra, pode estar no modelo do Tribunal do Rio. Lá, optou-se por separar as contas, e foi desenvolvido um modelo que deu mais autonomia ao Judiciário e aliviou as contas do estado.

No Rio, o governo estadual se encarrega apenas da folha de pagamento — valor que se mantém praticamente estável de um ano para o outro, variando apenas com a inflação. O valor arrecadado pelo Tribunal com execuções, multas, indenizações etc. fica no Judiciário. Assim, o estado conseguiu garantir autonomia financeira para sua Justiça e até empresta dinheiro para o Executivo.

Segundo o desembargador Calandra, se o TJ mantivesse tudo o que arrecada, seu orçamento saltaria para a casa dos R$ 18 bilhões. Em termos de receita, calcula, seria um aumento de quase R$ 6 bilhões sem onerar os cofres estaduais. "É o único poder do Estado que se paga", se gaba.

Por esse modelo, o orçamento de R$ 5,1 bilhões caberia a São Paulo. De acordo com dados do relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, o estado gastou, com recursos humanos, R$ 4,6 bilhões no ano passado.

Dois gumes

Mas a independência financeira não pode ser vista como a solução para todos os problemas. É o que ressalta o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Ricardo Lewandoswki. Segundo ele, "a independência pode ser uma faca de dois gumes".

Se por um lado a autonomia pode dar maior poder orçamentário ao Judiciário, por outro pode fazer com que perca o poder de negociação com o estado. Se não conseguir fazer a gestão com o orçamento que tiver, explica Lewandowski, perde a possibilidade de o governo estadual dar mais dinheiro, ou aprovar mais recursos no ano seguinte.

Mas, segundo o desembargador Calandra, presidente da AMB, o Judiciário não tem muita capacidade de negociação com os demais poderes. É por isso que os juízes têm dificuldade de se fazer ouvidos quando precisam falar de seus problemas, principalmente quando se trata de dinheiro, defende Calandra. "Como não somos uma classe política, é difícil dialogar e isso faz com que haja cortes."

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Na minha opinião, o Poder Judiciário deveria ter sim uma independência estrutural, diretiva e financeira para fazer a gestão da estrutura, das carreiras e dos salários dos servidores sem depender da classe política. Esta medida reduzirá a influência nociva que a classe política transmite para a justiça brasileira, possibilitando ações mais coativas e de interesse público. Com uma cota definida e com recursos arrecadados de serviços pode muito bem fazer a gestão financeira, limitando salários altos, aproximando o poder das comunidades e investindo na celeridade e desburocratização da justiça, clamor de toda a população brasileira.

CORREGEDORIAS PARA MONITORAR JUÍZES EM GREVE

Conselho da Justiça pede a corregedorias que monitorem juízes em greve. Conselho da Justiça Federal pediu às corregedorias dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) que denunciem aqueles que aderirem à paralisação da categoria - 24 de outubro de 2011 | 21h 45 - Fausto Macedo, de O Estado de S.Paulo


O Conselho da Justiça Federal (CJF) pediu às corregedorias dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) que monitorem juízes e oficie à Advocacia Geral da União (AGU) para denunciar aqueles que aderirem à paralisação da categoria, marcada para 30 de novembro.

A informação foi divulgada nesta segunda feira, 24, pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe)

Na sessão desta segunda que tratou do processo administrativo 2011161685 - instaurado de ofício pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler -, o CJF decidiu notificar o presidente da Associação dos Juízes Federais, Gabriel Wedy, acerca do movimento.

"Com ou sem processo administrativo o movimento vai continuar firme e forte porque é lícito, ético e constitucional e não visa atender interesse pessoal dos juízes em face do cargo, mas garantir que direitos e prerrogativas constitucionais dos magistrados sucessivamente violados sejam respeitados", afirma Wedy.

Os juízes federais também decidiram represar as intimações dos processos da União. O Conselho da Justiça Federal - formado pelos presidentes dos TRFs e pelo presidente do STJ -, decidiu mandar ofício à AGU para que aponte às corregedorias os magistrados que concentrarem em suas unidades citações dos processos da União.

Wedy saiu em defesa dos direitos e prerrogativas da magistratura e disse que a pauta de reivindicações da categoria "é segurança, estrutura de trabalho, previdência, saúde e política remuneratória".

Wedy afirmou que a concentração das intimações da União não prejudicará a sociedade. Segundo ele, "os advogados da União às vezes demoram mais de um mês para se darem por intimados".

"Os processos de interesse dos cidadãos aposentados, pensionistas, envolvendo os direitos à saúde e ações criminais serão apreciadas todos normalmente tendo intimações regulares", garantiu o juiz federal.

Ele cobrou "posição altiva" do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, para garantir o cumprimento da Constituição. "É necessário que a cúpula do Judiciário dialogue com o Congresso e o Executivo."

"Faço questão de que todos os processos que forem abertos contra os juízes federais sejam promovidos diretamente contra a minha pessoa apenas", sugeriu Gabriel Wedy.

"Não me eximo da minha responsabilidade, não estamos promovendo uma ilicitude, ou a falta de ética."

VOLTANDO A FALAR DE CORRUPÇÃO NO JUDICIÁRIO


Justiça. Eliana Calmon volta a falar de corrupção no Judiciário - O GLOBO, 24/10/2011 às 16h30m; Agência Tarde


SALVADOR - Garantindo que não retirará uma vírgula do que disse sobre as mazelas do Judiciário, a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Eliana Calmon, assinalou com todas as letras nesta segunda-feira, logo após receber a Medalha Dois de Julho outorgada pela prefeitura de Salvador, que "existe corrupção no poder Judiciário, como existe em todos os segmentos da sociedade brasileira".

- E e eu tenho o dever constitucional de combatê-la".

No seu discurso de agradecimento, ela aproveitou um trecho do Hino ao Dois de Julho, tocada na solenidade, que faz referência à vitória do exército popular brasileiro contra as tropas portuguesas na Bahia, em 1823, para comparar o que ocorre hoje no Brasil.

- Estou atenta às minhas responsabilidades, aos meus deveres constitucionais para que um dia eu possa dizer, depois da minha aposentadoria, como nós acabamos de recitar: 'nunca mais o despotismo, regerá a nossa Nação.

Ao ser perguntada se esse "despotismo" era uma referência à corrupção, respondeu:

- A todos os segmentos que atrapalham a realização da Justiça: a lentidão é um problema, a corrupção é outro, a incompreensão dos órgãos públicos com o Judiciário é outro problema, tudo isto é algo que precisa ser removido, é muito trabalho, mas a gente tem que acreditar que pode, pelo menos melhorar.

Outro repórter quis saber se a popularidade obtida por ter dito a frase sobre haver "bandidos escondidos atrás da toga" não poderia fazê-la entrar na política e se candidatar a algum cargo eletivo. Eliana Calmon refutou essa possibilidade.

- Sou apenas magistrada, não tenho nenhum preparo para ser política, não tenho vocação para isso, me preparei a vida inteira para ser unicamente magistrada e atravessei minha vida dentro do Tribunal, do gabinete dando sentença e é realmente isso é o importante para mim. E isso eu consegui a compreensão dos meus magistrados, no momento em que na sexta-feira passada eu fui ao Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça e eles me receberam de pé, aplaudindo. Nesse momento eu vi que sou realmente magistrada, porque aquela homenagem para mim aplacou meu espírito.

Como juíza e corregedora do CNJ, Eliana Calmon fez a promessa de uma pessoa que "jurou a Constituição e as Leis da República", não decepcionar "os brasileiros e os baianos".

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

LIMITES DO ATIVISMO



“Política pública não pode ser decidida por tribunal”. Rogério Barbosa, repórter da revista Consultor Jurídico. Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2011


O Poder Judiciário precisa refletir sobre seu avanço diante das atribuições dos outros dois Poderes da República. Na implementação de políticas públicas, por exemplo, a Justiça pode até ter uma participação complementar, mas nunca atuar como protagonista em ações típicas dos Poderes Legislativo e Executivo. A opinião é de um dos maiores estudiosos de Direito Constitucional do mundo, o professor da renomada Universidade de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho — ou apenas J. J. Canotilho, como gosta de ser chamado.

O jurista, que tem em seu currículo o fato de ser um dos autores da Constituição de Portugal, é um crítico da ampliação do controle do Poder Judiciário sobre os demais poderes, principalmente na esfera da efetivação de direitos que dependem de políticas públicas, o que se convencionou chamar de ativismo judicial: “Pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural ou social é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado”.

J. J. Canotilho recebeu a revista Consultor Jurídico para uma breve entrevista em São Paulo, por onde passou para participar da entrega do Prêmio Mendes Júnior de Monografias Jurídicas, promovido pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Além fazer observações sobre ativismo, ele também fez ressalvas sobre o mecanismo de Repercussão Geral aplicado pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil.

O professor ainda revelou que há coisas que aproximam bem a Justiça portuguesa da brasileira. Por exemplo, o fato de processos em Portugal poderem percorrer até cinco instâncias para, enfim, chegarem a uma conclusão. O jurista ainda falou sobre as metas do Conselho Nacional de Justiça e considerou questionável a intenção da presidente Dilma Roussef de flexibilizar patentes. “A flexibilização é muito perigosa porque pode significar a quebra de patente”, disse. Para o professor, as empresas têm direito de exploração econômica, por certo período, por ter inventado um produto. É uma garantia constitucional que não deve ser violada a não ser em casos de extremo interesse público.

Aos 68 anos, Canotilho é considerado um dos papas do Direito Constitucional da atualidade, citado com frequência por ministros do Supremo Tribunal Federal. É doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Macau e autor de obras clássicas como Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador e Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

Leia a entrevista

ConJur — Recentemente, o senhor participou de um debate em que se discutiu o ativismo judicial. Qual a sua opinião sobre o assunto?
J. J. Canotilho — Não sou um dos maiores simpatizantes do ativismo judicial. Entendo que a política é feita por cidadãos que questionam, criticam e apontam problemas. Os juízes nunca fizeram revoluções. Eles aprofundaram aplicações de princípios, contribuíram para a estabilidade do Estado de Direito, da ordem democrática, mas nunca promoveram revoluções. E, portanto, pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural, social, e assim por diante, é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado.

ConJur — No Brasil, há uma enxurrada de ações e determinações judiciais para que o Estado forneça remédios para quem não pode comprá-los. Como o Judiciário deve atuar quando o Estado não põe em prática as políticas públicas?
J. J. Canotilho — As políticas públicas não podem ser decididas pelos tribunais, mas pelos órgãos socialmente conformadores da Constituição. Mas é fato que existem medicamentos raros e certa falta de compreensão para situações especificas de alguns doentes. Isso põe em causa a defesa do bem da vida. Os tribunais devem ter legitimação para solucionar um problema desses. É um problema de Justiça e o valor que está a ser invocado é indiscutível: o bem da vida.

ConJur — O senhor afirma que as políticas públicas não devem ser decididas pelo Judiciário. Mas, uma vez que passam a representar uma demanda que a Justiça não tem como deixar de enfrentar, qual a melhor forma de equalizar esta questão?
J. J. Canotilho — O Judiciário precisa enxergar o seu papel nessa questão. Ele pode ter uma participação, mas tem que complementar, e não ser protagonista. Até porque, quando determina a entrega de um medicamento a um cidadão, ele não está resolvendo o problema da saúde. Ele não tem o poder, a incumbência e não é o mais apropriado para a solução das políticas públicas sociais. Os que são responsáveis são os órgãos com responsabilidade política dos serviços de saúde, desde o Legislativo ao Executivo.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o mecanismo da Repercussão Geral, criada para filtrar a subida de recursos e para pacificar em todo o Judiciário os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal?
J. J. Canotilho — É uma das perguntas a que não sei responder. Porque, no fundo, o apelo à Repercussão Geral é, de certo modo, uma urgência de sintonizar as decisões judiciais — que são muitas — com a República e com os cidadãos. Nessa medida, entendo que o Supremo Tribunal Federal está levando em conta uma dimensão interessante. Essa é uma atitude inteligente. Mas uma coisa é convocar a vontade da Repercussão Geral e outra é avocar os argumentos, que é um conceito indeterminado, para justificar um caso concreto. Existe então a possibilidade da jurisprudência ser uma jurisprudência que não aplica o Direito para o caso concreto, mas que repete a retórica e os textos argumentativos de outras sentenças.

ConJur — Qual é a diferença?
J. J. Canotilho — A diferença é que embora você tenha uma Repercussão Geral, cada caso possui uma particularidade. Por isso, cada juiz deve julgar o caso concreto. O que por vezes se tem percebido é que tanto a Repercussão Geral quanto a disponibilização do processo digitalizado têm contribuído para que juízes apliquem a decisão, a mesma que o tribunal tomou sobre aquele tema, quando na verdade o correto é avocar o entendimento para tomar sua própria decisão.

ConJur — O senhor é contra a informatização dos processos?
J. J. Canotilho — Não há razão nenhuma para duvidar da bondade da informatização, até porque ela oferece ao cidadão acesso a um ato do tribunal e à possibilidade de saber em que pé está o processo. Eu acho que isso é uma evolução absolutamente incontornável, então não podemos criticá-la. Até porque, relativamente aos juízes que aparecem agora, mais jovens, nenhum pode deixar de saber trabalhar com os instrumentos da informática, com os computadores.

ConJur — Mas, ao falar da Repercussão Geral, o senhor deu a entender que existe algum problema com relação à digitalização do processo...
J. J. Canotilho — Sim. É a questão de os juízes pensarem em copiar uns aos outros. Ou seja: “Como é jurisprudência constante... Como já decidimos...”. Com a ausência do papel, agora isso é muito mais fácil. E pode haver alguma uniformização da própria estrutura, da própria retórica, o que não é mal, desde que aquilo sirva ao caso concreto que está a ser discutido. Mas isso também parece incontornável. Isso facilita também que os juízes transcrevam um esquema básico e, afinal de contas, não é só um parâmetro, mas é um esquema que eles utilizam todos da mesma maneira. Ou seja, garante-se um nível de uniformização, mas perde-se alguma coisa desta dimensão de que cada processo é um processo, de que cada caso é um caso. E há esta possibilidade da jurisprudência ser uma jurisprudência que não diz o Direito para o caso concreto, mas que repete a retórica e os textos argumentativos de outras sentenças.

ConJur — Mas isso também ocorre em virtude do número grande de processos, não? A propósito, qual a opinião do senhor sobre as metas impostas pelo CNJ?
J. J. Canotilho — Há mais ou menos uns dois anos, o governo português tinha mandado fazer um estudo sobre o tempo médio de trabalho necessário para proferir uma decisão. Os magistrados logo se revoltaram dizendo que era intrusão do Executivo no Judiciário, porque não há possibilidade de determinar um tempo médio na produção de um juiz. Essa cobrança é natural, afinal, nos tempos de hoje, tudo requer agilidade e eficiência. Mas basta entrar em qualquer tribunal para ver processos com milhares de partes, processos com monstruosa complexidade, que levam meses e até anos para serem decididos. Por mais que se criem soluções como a informatização, ainda é o ser humano que decide. Por exemplo, se determina que o juiz julgue 500 casos por ano. Ele julga 300. Depois se pede 400. E ele julga 300. E quando se pede 200? Ele julga 300. Portanto, as metas nos permitem dizer que é humanamente impossível decidir por ano mais do que tantos processos.

ConJur — Aqui ainda é forte a máxima do “ganha, mas não leva”, porque o pleito da causa e a execução se dão em processos diferentes. Isso também ocorre em Portugal?
J. J. Canotilho — Em Portugal também funciona assim. Muito dos processos acabaram por ser processos puramente declaratórios. Muitas partes não abdicam de todas as dimensões recursais e vão até o Supremo. Em Portugal, há o risco de termos até cinco instâncias. São três até ao Supremo Tribunal de Justiça, quatro com a Corte Constitucional e cinco ao Tribunal Europeu. Muitas empresas arrastam os processos sem razão de ser. Há processos demasiado formalistas ou garantistas que impedem uma solução dos conflitos.

ConJur — Parece que não existe Defensoria Pública em Portugal. Como isso funciona?
J. J. Canotilho — Não existe a instituição Defensoria Pública, mas há defensores pagos pelo Ministério da Justiça. Portanto, de uma lista de advogados, indicados pela Ordem dos Advogados, há defensor oficioso que é pago pelo Estado. Isso traz alguns problemas. Muitas vezes, são jovens advogados que não têm experiência, o governo atrasa o pagamento, mas não sei qual é o melhor modelo, até porque não sei como seria se tivéssemos a Defensoria. No Brasil tem, mas não conheço seu trabalho.

ConJur — O senhor falou sobre advogados com pouca experiência, mas como o avalia a nova geração da advocacia?
J. J. Canotilho — Existe uma questão que precisa ser observada no Brasil, que é a qualidade das universidades, em especial das privadas. A quantidade de universidades que publicam livros, que realmente acrescentam para o mundo do conhecimento é muito pequena. As universidades não podem ser escolas primárias. Vejo muita honestidade e boa vontade na iniciativa do Brasil em democratizar o acesso ao ensino superior, mas isso precisa vir acompanhado de qualidade.

ConJur — Aqui no Brasil se critica o baixo índice de aprovação no Exame da OAB. O senhor acredita que isso é resultado do número de universidades de má qualidade?
J. J. Canotilho — Não apenas. Qual é o brasileiro que pode se dedicar exclusivamente aos estudos? Poucos. Isso influencia também. Não que eu defenda que as pessoas devam se dedicar integralmente aos estudos, mas é preciso reservar tempo considerável. O mesmo se aplica aos professores. As universidades públicas pagam quase nada para que eles façam orientação de mestrado, doutorado, por isso muitos saem da aula e vão direto para o tribunal advogar. Eles não têm tempo para preparar uma boa aula. Os alunos estão cansados. Não há tempo para o estudo, não há tempo para pesquisa. Trabalhos acadêmicos são grandes plágios.

ConJur — Por falar em plágio, a presidente Dilma Roussef tem falado em flexibilização de patentes. Qual a sua opinião?
J. J. Canotilho — A flexibilização é muito perigosa porque pode significar a quebra de patente. As empresas têm direito de exploração econômica, por certo período, por ter inventado um produto. É uma garantia constitucional que não deve ser violada a não ser em casos de extremo interesse público, como no caso dos genéricos, e não nos moldes que ocorre no Brasil.

ConJur — Por quê? O que há de errado na política brasileira de medicamentos genéricos?
J. J. Canotilho — No meu ponto de vista esta é uma questão que o Brasil deveria ter superado. O que é um genérico? Um medicamento com o mesmo princípio ativo que um de mercado. Ou seja, de um que foi desenvolvido pela indústria, com base em anos de pesquisa, muito dinheiro investido e que está protegido por lei por 20 anos. Como um medicamento genérico pode confeccionar uma bula dizendo que em 2% dos casos pode ocorrer tal reação adversa? Ele não fez nenhum teste, como pode afirmar? O genérico é um grande plágio.

PROIBIÇÃO DE INSUFICIÊNCIA

Para combater crime, juíz é acusado de violar direitos. Marília Scriboni, repórter da revista Consultor Jurídico. Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2011

Excessivo e injustificável rigor, com resistência às teses e argumentos usados pelos acusados. Violação ao princípio da imparcialidade, com pré-julgamento do mérito em decisões dadas ainda na fase investigativa. Inconstitucionalidade das regras de prevenção. O rol de irregularidades é apontado pelo casal Gruenberg, preso na Operação Mãos Dadas, deflagrada pela Polícia Federal em 2008. Na última semana, os dois pediram a suspeição do juiz José Paulo Baltazar Junior, titular da 1ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre, que trata do caso.

O casal foi acusado pelo Ministério Público Federal da prática de cinco delitos: "prática de estelionato contra a União, para obter precatórios que lhes foram concedidos; como venderam as oito últimas parcelas de um precatório (que teria sido obtido ilegalmente) ao Banco Pactual, teriam cometido fraude contra um estabelecimento de crédito; para montar uma ação delituosa bem concatenada, contrataram advogados que articularam os injustos resultados que obtiveram, o que configura formação de quadrilha; o dinheiro ilícito foi enviado ao Uruguai, configurando evasão de divisas; e, como o dinheiro teria origem ilícita, estaria configurada também a lavagem de dinheiro; haveria também, para obter estes resultados, o crime de corrupção de funcionários públicos".

Está nas mãos de Baltazar Junior a única ação penal que sobrou sobre o caso: de denunciação caluniosa e de formação de quadrilha. Esta última é questionável, como afirma a defesa, uma vez que não há crime antecedente que a caracterize. Todas as demais acusações já caíram ou no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, como afirma o advogado Marcelo Itagiba, que defende o casal no âmbito cível.

De acordo com as suspeitas da Polícia Federal, Wolf Gruenberg e Betty Guendler fariam parte de uma quadrilha que já havia fraudado, até aquele ano, R$ 10 milhões da União, por meio de um esquema que envolvia empresas de fachada e o recebimento de verbas resultantes de ações trabalhistas fraudadas. A intenção, apontou o órgão na época, era desviar, até 2016, quase R$ 1 bilhão dos cofres públicos.

Na decisão em que rejeita a exceção de suspeição, desta quarta-feira (14/9), o juiz afirma que "as decisões proferidas no curso da investigação, ainda que defiram restritivas de direito dos investigados, não geram a suspeição do magistrado, uma vez que o convencimento manifestado é apenas provisório, produzido com base nos elementos de prova existentes até então, e com adequada fundamentação".

Com a recusa de sua própria suspeição, Baltazar Junior ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para que os seus integrantes a analisem.

De acordo com a defesa do casal, contrariando o Princípio da Iniciativa das Partes, segundo a qual a jurisdição somente poderá ser exercida caso seja provocada pela parte ou pelo interessado, o juiz determinou o desenrolar das investigações, mesmo depois de o Ministério Público ter pedido o arquivamento do inquérito policial. Para o parquet, não haveria interesse federal no caso. Ne procedat judex ex officio, manda o latim.

Na exceção de suspeição, a defesa comenta: “Ambos têm razão para crer que já estarão condenados, tendo em vista a condução notoriamente desfavorável que têm obtido, por parte do magistrado, durante todo o tramitar da ação, há mais de três anos.” O que leva os advogados a pensar desta forma? Um programa transmitido pela TV Justiça, no qual Baltazar Junior apresenta sua tese de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Como forma de justificar o que chama de “supressão episódica” do direito fundamental, a tese de Baltazar Junior sai do pressuposto de que o crime organizado é um perigo concreto para a segurança e o Estado tem o dever de agir tanto na repressão quanto na prevenção. “Há casos em que o Direito tem de agir, então é obrigado a agir para proteger o cidadão, em relação a alguns direitos fundamentais, como por exemplo, o direito fundamental à segurança”, argumenta no vídeo.

De acordo com a petição, os acusados foram “flagrantemente prejudicados em suas garantias fundamentais e direitos humanos durante o tempo em que permaneceram sob os auspícios do Estado por ordem do juiz”.

Invasão em Punta del Este

Tudo começou em 2007, quando a casa dos dois, em Punta del Este (Uruguai), como afirma a defesa, foi invadida por policiais brasileiros, sem ordem judicial nem do Brasil, nem do Estado estrangeiro. Na ocasião, bens foram apreendidos, documentos levados. Os policiais ameaçaram dar voz de prisão e negaram acesso ao advogado da família, o uruguaio Eduardo Vescovi.

Quando voltava para o Brasil, o casal, mais um filho, foi revistado no Aeroporto Internacional de Guarulhos, mediante autorização do juiz Baltazar Junior. Somente com um Mandado de Segurança, dado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Rio Grande do Sul), a família teve acesso aos autos da ação criminal que corria contra eles. No dia seguinte, os dois foram presos.

A defesa reclama do que chamou de uma ampla campanha feita pela imprensa, com o intuito de condenar Gruenberg e Betty antes na opinião pública e, depois, por consequência, no Judiciário. Uma série de ilegalidades ao longo do trâmite da ação levou os advogados do casal a apresentarem dois pedidos. Na última quinta-feira (8/9), eles entraram com pedido de suspeição de Baltazar Junior. E, na sexta (9/9), pediram o reconhecimento da incompetência do juízo da 1ª Vara Federal para cuidar do caso. As petições são assinadas pelos advogados Eduardo Augusto Pires, Paulo Henrique da Rocha Lins e Gustavo Rodrigues Nunes, além de Itagiba.

De acordo com o Itagiba, a princípio, o caso tramitou em duas varas federais criminais de Porto Alegre, a 1ª e a 3ª. Enquanto esra última remeteu o processo à Justiça Estadual, onde ele foi arquivado, a 1ª Vara Federal Criminal, sob a titularidade de Baltzar Junior, deu prosseguimento aos trâmites. "Em tese, o caso está arquivado", conta o advogado.

Estudo sobre a doutrina

Para fundamentar a exceção de suspeição contra o juiz, o casal pesquisou a trajetória acadêmica de Baltazar Júnior. É alemã a teoria do Direito Penal do Inimigo, segundo a qual existem grupos na sociedade que não podem se beneficiados pelos conceitos de pessoa. Da mesma forma, foi também na Alemanha que o juiz colheu experiências que mais tarde renderiam a tese O Controle das Organizações Criminosas Perante os Direitos Fundamentais dos Investigados e Acusados, para obtenção do título de doutor na UFRGS.

O material já virou livro, editado pela Livraria do Advogado, sob o título Crime organizado e proibição de insuficiência. Na avaliação da banca, a tese obteve nota máxima. Mas o sucesso do pensamento do juiz pode ser atestado nos três últimos anos de vida do casal Wolf Gruenberg e Betty Guendler, acusa a dupla. Ele, advogado, então com 60 anos quando sua casa no Uruguai foi invadida. Ela, fonoaudióloga.

O criminalista Luiz Flávio Gomes fala, em seu artigo Direito penal do Inimigo (ou inimigos do Direito Penal), sobre como devem ser tratados os inimigos, de acordo com o pai da teoria, o alemão Günter Jakobs: "O indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. O inimigo, por conseguinte, não é um sujeito processual, logo, não pode contar com direitos processuais, como por exemplo o de se comunicar com seu advogado constituído". Cabe ao Estado não reconhecer seus direitos, "ainda que de modo juridicamente ordenado". Como lembra o estudioso, com a aplicação da teoria, vão-se as garantias fundamentais e processuais.

"É preciso ler a obra"

Em entrevista à Consultor Jurídico, o juiz limitou-se a dizer que não poderia comentar o caso concreto, em observância à Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Sobre a comparação da defesa entre sua tese de doutorado e o pensamento da Teoria do Direito Penal do Inimigo, ele disse que "fica difícil entender sua teoria por meio e trechos veiculados no vídeo". "Só quero dizer, com ela, que a é possível existir uma Justiça Penal efetiva com respeito aos direitos fundamentais", declarou.

É o artigo 254 do Código de Processo Civil que elenca as sete possibilidades de suspeição do juiz. O juiz se dá por impedido quando, por exemplo, é amigo íntimo ou inimigo de qualquer uma das partes ou quando for credor, devedor, tutor ou curador de alguma das partes, apenas para citar duas hipóteses. De acordo com Baltazar Junior, nenhuma das ocorrências pôde ser encontrada no caso do casal Gruenberg.

Correntes e infecção generalizada

Outro ponto alegado pelos advogados foi a ocorrência de tortura. O caso já está na ONG Justiça Global, ligada à Americas Watch. Enquanto a lei brasileira estipula a prisão provisória em 81 dias, conta a defesa, Gruenberg passou 150 dias atrás das grades. De acordo com o juiz, ele deveria ficar preso porque teria dupla cidadania, brasileira e alemã. Em liberdade, poderia se refugiar na Alemanha.

A defesa desmente a acusação, afirma que o acusado é brasileiro naturalizado. Nascido na Alemanha, não conseguiu a cidadania do país porque fazia parte da terceira geração. Lá, o que vigora é o jus sanguinis. Assim, filhos de pais poloneses refugiados na Alemanha não recebiam cidadania alemã.

Recém-operado, com pontes de safena, e com um câncer descoberto há pouco tempo, o acusado teve seu tratamento de saúde interrompido. O tratamento de Gruenberg estava atrasado quando, graças a uma liminar do ministro Celso de Mello, conseguiu retomá-lo. Àquela altura do campeonato, já havia sido despejado do Hospital Moinhos de Vento, por ordem do juiz Paulo Baltazar, contra a opinião dos médicos, e enviado para o Presídio Vila Nova.

Betty, por sua vez, acabara de ter as mamas operadas. Seu estado não impediu que, oito dias depois, fosse presa e levada para um presídio comum de Porto Alegre, o Madre Pelletier. Fonoaudióloga e com formação superior, não foi para cela especial, como determina a lei. O ambiente foi propício à infecção hospitalar. Ela só foi levada ao hospital quando se espalhou para o corpo. Ainda assim, na companhia de duas agentes penitenciárias. Sempre algemada, quando caminhava. E, na cama, ficava acorrentada.

O médico da mulher pediu autorização para que ela obtivesse outro tipo de tratamento. Todos os pedidos foram negados. E Betty, como o marido, foi despejada do hospital por ordem do juiz Paulo Baltazar. Ela foi enviada à carceragem da Polícia Federal, numa cela sem porta, contígua às celas masculinas. A higiene era feita à vista dos demais detentos.

“O que justificou que uma mulher recém-operada, sem qualquer antecedente ou indício de agressividade ou periculosidade, fisicamente debilitada, acometida de septicemia, ficasse por trinta e cinco dias algemada à cama do hospital?”, indaga sua defesa.

Ação Penal 2008.71.00.011760-5

CNJ DISCUTE DIVULGAÇÃO DE NOMES DE JUÍZES SOB INVESTIGAÇÃO


SHEILA D'AMORIM e FELIPE SELIGMAN, DE BRASÍLIA, FOLHA.COM, 24/10/2011

Uma nova proposta em discussão entre os integrantes dos CNJ (Conselho Nacional de Justiça) poderá fazer com que o nome de magistrados investigados por irregularidades não seja divulgado publicamente.

O debate foi colocado por iniciativa do conselheiro José Lúcio Munhoz que enviou e-mail aos seus colegas questionando se a forma atual para tramitação dos processos está correta.

Hoje, durante a fase de apuração das denúncias, o nome dos envolvidos é mantido em sigilo. Eles são identificados nos documentos disponíveis ao público apenas pelas iniciais. Quando o relator do processo apresenta seu voto no plenário do CNJ, os nomes tornam-se oficialmente públicos.

Sob o argumento de que não vê como correto esse procedimento atual, Munhoz questiona se não é preciso "preservar a imagem dos investigados ou requeridos antes da decisão final".

"Ou retiramos da pauta e do processo as iniciais e colocamos nomes completos na identificação dos feitos, ou devemos também, nós, quando relatarmos os processos ou nos manifestarmos sobre eles, utilizar também apenas as letras iniciais".

A proposta, colocada inicialmente como um tema "para reflexão" gerou mal-estar nos corredores do CNJ, segundo a Folha apurou, e desencadeou imediatamente uma operação abafa.

Conselheiros contrários a essa tese trabalham para que o tema não entre oficialmente na pauta. A ideia de Munhoz é de que isso seja feito na reunião administrativa de hoje, que é fechada.

Procurado pela Folha, o conselheiro disse que não defendeu uma posição, apenas sugeriu "discutir um padrão de comportamento". Irritado com a polêmica interna criada em torno do assunto, reclamou dos colegas.

"Nem sei se vamos discutir isso. Mas, hoje, você fala "A" no conselho, e no dia seguinte sai "B" na imprensa. Está difícil fazer uma conversa, porque no dia seguinte está na imprensa e isso dificulta muito o nosso trabalho. É difícil caminhar tranquilamente num ambiente onde não existe privacidade".

Conselheiros ouvidos pela Folha identificaram no e-mail de Munhoz uma forma "indireta" e "aparentemente despretensiosa" de tentar reduzir a transparência no trabalho do conselho.

E isso, justamente num momento em que o órgão corre risco de perder o poder de investigar as irregularidades praticadas por magistrados.

Uma ação tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) e foi o estopim da crise que deixou em lados opostos o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, e a corregedora do CNJ, Eliana Calmon.

A ação foi proposta pela AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) --entidade da qual Munhoz foi vice-presidente-- com a alegação de que o CNJ só pode investigar magistrados depois que eles já tenham sido julgados por seus tribunais.

Conselheiro por indicação do Tribunal Superior do Trabalho, Munhoz propôs modificações no conselho, semelhantes ao que pede a AMB.

AGILIDADE CONTRA A CORRUPÇÃO

Burocracia. Especialistas cobram agilidade contra corrupção - O GLOBO, 23/10/2011 às 23h16m. Ronaldo D'Ercole, Paulo Justus e Adauri Antunes Barbosa

SÃO PAULO - A estrutura burocrática pouco eficaz da administração federal e um sistema jurídico que permite uma infinidade de recursos em diferentes instâncias são os dois principais entraves para que o governo consiga recuperar os recursos públicos desviados pela corrupção no país. Reportagem do O GLOBO de domingo revelou que de cada R$ 100 perdidos em corrupção, só R$ 2,34 voltaram aos cofres públicos , de 2003 a 2010.

O efeito mais perverso da dificuldade de reaver as verbas destinadas a convênios fraudados é a redução da capacidade de investimentos da União, na avaliação do consultor e especialista em contas públicas Raul Velloso.

Mudanças jurídicas dariam agilidade ao sistema

São mais de R$ 10 bilhões, em média, desperdiçados anualmente entre 2003 a 2010, volume que, compara Velloso, é três vezes mais que os R$ 3 bilhões investidos pela União nas pastas dos Transportes, Cidades e Integração Nacional em 2003. E um terço dos R$ 30 bilhões de 2010, ano em que o governo federal mais desembolsou recursos em investimentos diretos.

- Claramente, é preciso dinamizar esses procedimentos. A identificação dos recursos desviados choca, porque os volumes são altos. Mas a incapacidade de recuperar o dinheiro choca mais ainda - diz Velloso.

Já para o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Claudio Couto, a grande possibilidade de recursos judiciais permitidos aos acusados de desvios de verbas públicas é o principal fator por trás da baixa capacidade de recuperação desses recursos. Segundo ele, há muita proteção para as quebras de sigilo fiscal e bancário, o que alonga os processo e dá mais prazo para o dinheiro desaparecer.

- O problema é que todo o sistema legal brasileiro é voltado para defender quem quer que seja do jeito que der. E como os corruptos têm dinheiro suficiente para pagar bons advogados, fica difícil até que sejam condenados.

Couto afirma que seria necessária uma reformulação do sistema jurídico que permitisse uma maior agilidade na recuperação do dinheiro extraviado com a corrupção. Ele acrescenta que as instituições de fiscalização também deveriam ser mais aparelhadas para reduzir esse prejuízo.

Ainda dentro do sistema judiciário, Couto chama atenção para o fato de que, muitas vezes, imprensa, sociedade civil e oposição se prendem na cobrança da condenação penal do corrupto, mas não acompanham o processo de recuperação do dinheiro, que corre em separado na esfera civil:

- É preciso enxergar a devolução do dinheiro também como uma punição, mas se dá pouca atenção para isso.

Apesar dessas dificuldades, Couto frisa que houve avanços com o aumento da transparência do governo e no trabalho dos tribunais de contas federal, estaduais e municipais.

Para cientista político Murillo de Aragão, o desvio de recursos públicos é uma situação "quase crônica" na História do país e, mesmo causando muita indignação, não evolui para instrumentos mais eficazes de controle e fiscalização. Segundo ele, o estado é "muito poderoso" e tem uma capacidade "muito forte" de distribuir recursos e benefícios:

- Isso é fruto da forma de relação entre Estado e sociedade, que opera no clientelismo, uma forma de subjugar para os propósitos de quem manda - analisa.

Apesar de um "alto índice de opacidade" que persiste com a ausência de informações de interesse público, Aragão acredita que a situação tem apresentado algumas melhoras, e o Estado tem se mostrado mais transparente, por meio de ações do Ministério Público, Polícia Federal e outras instituições:

- As coisas vão melhorar. Já estão melhorando. Não com a velocidade que alguns setores da sociedade gostariam, mas estão melhorando.

A maior visibilidade que os desvios dos recursos públicos têm tido possui um aspecto positivo, que deve aparecer a partir do ano que vem, nas eleições municipais, diz Aragão:

- A corrupção ainda vai determinar o resultado de uma eleição. Mais pessoas vão entender que a corrupção subtrai recursos da Saúde, da Educação, que o país arrecada muito, mais de R$ 1 trilhão por ano, e continua faltando recurso para os hospitais, para as escolas - diz o cientista político.

domingo, 23 de outubro de 2011

O CORPORATIVISMO NA JUSTIÇA

OPINIÃO, O Estado de S.Paulo - 23/10/2011


Apontado pela corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, como uma das cortes mais fechadas e resistentes às fiscalizações do País, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acaba de dar mais uma demonstração do que poderá ocorrer caso o STF acolha o recurso impetrado pela Associação dos Magistrados Brasileiros, retirando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a prerrogativa de julgar administrativamente magistrados acusados de desvio de conduta. As Justiças estaduais alegam que dispõem de corregedorias para fazer esse trabalho. Mas, como mostra Eliana Calmon, elas são lentas, ineptas e primam pelo corporativismo. Atualmente, 32 desembargadores respondem a sindicâncias e processos disciplinares no CNJ. Entre os desembargadores já condenados, um chefiava uma corregedoria. Ele foi acusado de desleixo, omissão e favorecimento.

Municiando a corregedora nacional de Justiça com nova prova de corporativismo, o presidente do TJSP, desembargador José Roberto Bedran, acaba de propor oficialmente à Secretaria da Segurança Pública a assinatura de um "protocolo, convênio ou entendimento" para a criação da figura de um "delegado especial" encarregado de cuidar de ocorrências policiais que envolvam magistrados da Justiça paulista. A iniciativa foi anunciada esta semana, durante a sessão em que o tribunal discutiu a promoção ao cargo de desembargador do juiz Francisco Orlando de Souza, que há duas semanas foi detido pela polícia sem carteira de habilitação e sob suspeita de dirigir embriagado. Depois de se envolver numa briga de trânsito, em São Bernardo, na frente do 1.º Distrito Policial da cidade, o magistrado foi detido, recusou-se a fazer o teste do bafômetro, discutiu com o delegado, que o acusou de ter dado "carteirada", e acabou sendo escoltado por policiais civis até sua casa.

A sessão do TJSP foi um festival de corporativismo. Os desembargadores elogiaram Souza, que terá de ser ouvido pela Corregedoria-Geral da Justiça, e, além de desprezar o boletim de ocorrência, levantaram suspeitas sobre a conduta do delegado e dos investigadores que o prenderam por desacato. Finalmente, por unanimidade, promoveram o colega à última instância da Justiça estadual, pelo critério de antiguidade.

Em São Paulo, os juízes e desembargadores já gozam de um direito que é negado aos cidadãos comuns. Quando se envolvem em algum incidente banal, os magistrados não podem ser conduzidos a delegacias de polícia e a ocorrência tem de ser comunicada imediatamente ao Tribunal de Justiça. Juízes só podem ser presos em flagrante por outro juiz. Agora, além desse tratamento especial, a magistratura estadual quer o direito a "delegado exclusivo". Segundo o desembargador Bedran, o tratamento diferenciado dado por um delegado exclusivo evitaria que as ocorrências policiais chegassem ao conhecimento dos meios de comunicação, evitando assim que eles publicassem reportagens "sensacionalistas" e "fatos distorcidos" que maculem a imagem de seus colegas de ofício.

"Não queremos evitar a divulgação de fatos, mas que eles sejam desvirtuados. Esse entendimento entre o Tribunal de Justiça de São Paulo e a Secretaria da Segurança Pública vai levar a que se evitem esses incidentes (como a detenção de um juiz acusado de dirigir alcoolizado e sem carteira) e que cheguem ao conhecimento dos jornais e possam até ser explorados", disse o presidente do TJSP. Em nota polida, porém firme, a Secretaria da Segurança Pública anunciou que informará mais rapidamente o tribunal das ocorrências policiais envolvendo magistrados, mas que não criará a figura do "delegado especial" nem restringirá o trabalho da imprensa. "Não há que se confundir a observância da lei com a redução das atribuições funcionais dos delegados e tampouco cerceamento do trabalho da imprensa", diz a nota.

É um fato insólito. Se não estivessem divorciados da realidade, preocupados em primeiro lugar com interesses corporativos, os dirigentes da Justiça não estariam na constrangedora posição de terem de ouvir lições elementares de direito ministradas por delegados.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O Poder Judiciário é o mais importante poder de uma democracia. Quando o Poder Judiciário está contaminado, a justiça se contamina e a nação inteira não tem cura para as suas doenças políticas, jurídicas e sociais, ficando vulnerável às desordens e aos atos totalitários e corruptos. Quando não há justiça, a nação perece. Este blog foi criado para alertar sobre as mazelas que estão desacreditando a justiça no Brasil. As três maiores são justamente o corporativismo enaltecido no editorial, a burocracia e a centralização do transitado em julgado no STF determinada pela constituição federal, dita cidadã e republicana.

sábado, 22 de outubro de 2011

JUSTIÇA AUTORIZA MAIS DE 33 MIL CRIANÇAS A TRABALHAR ILEGALMENTE

DA AGÊNCIA BRASIL, FOLHA.COM, 22/10/2011

Juízes e promotores de Justiça de todo país concederam, entre 2005 e 2010, mais de 33 mil autorizações de trabalho para crianças e adolescentes menores de 16 anos, contrariando o que prevê a Constituição Federal.

O número, fornecido pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), equivale a mais de 15 autorizações judiciais diárias para que crianças e adolescentes trabalhem nos mais diversos setores, de lixões a atividades artísticas. O texto constitucional proíbe que menores de 16 anos sejam contratados para qualquer trabalho, exceto como aprendiz, a partir de 14 anos.

Os dados indicam que, apesar dos bons resultados da economia nacional nas últimas décadas, os despachos judiciais autorizando o trabalho infantil aumentaram vertiginosamente em todos os 26 estados e no Distrito Federal.

Na soma do período, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina foram as unidades da Federação com maior número de autorizações. A Justiça paulista concedeu 11.295 autorizações e a Minas, 3.345.

Segundo o chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do MTE, Luiz Henrique Ramos Lopes, embora a maioria dos despachos judiciais permita a adolescentes de 14 e 15 anos trabalhar, a quantidade de autorizações envolvendo crianças mais novas também é "assustadora".

Foram 131 para crianças de 10 anos; 350 para as de 11 anos, 563 para as de 12 e 676 para as de 13 anos. Para Lopes, as autorizações configuram uma "situação ilegal, regularizada pela interpretação pessoal dos magistrados". Chancelada, em alguns casos, por tribunais de Justiça que recusaram representações do MPT (Ministério Público do Trabalho).

"Essas crianças têm carteira assinada, recebem os salários e todos seus benefícios, de forma que o contrato de trabalho é todo regular. Só que, para o Ministério do Trabalho, o fato de uma criança menor de 16 anos estar trabalhando é algo que contraria toda a nossa legislação", disse Lopes. "Estamos fazendo o possível, mas não há previsão para acabarmos com esses números por agora."

ATIVIDADES INSALUBRES

Apesar de a maioria das decisões autorizarem as crianças a trabalhar no comércio ou na prestação de serviços, há casos de empregados em atividades agropecuárias, fabricação de fertilizantes (onde elas têm contato com agrotóxicos), construção civil, oficinas mecânicas e pavimentação de ruas, entre outras. "Há atividades que são proibidas até mesmo para os adolescentes de 16 anos a 18 anos, já que são perigosas ou insalubres e constam na lista de piores formas de trabalho infantil."

No início do mês, o MPT pediu à Justiça da Paraíba que cancelasse todas as autorizações dadas por um promotor de Justiça da comarca de Patos. Entre as decisões contestadas, pelo menos duas permitem que adolescentes trabalhem no lixão municipal.

Também no começo do mês, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) anulou as autorizações concedidas por um juiz da Vara da Infância e Juventude de Fernandópolis (555 km de SP).

De acordo com o coordenador nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes, o procurador do Ministério Público do Trabalho, Rafael Dias Marques, a maior parte das autorizações é concedida com a justificativa de que os jovens, na maioria das vezes de famílias carentes, precisam trabalhar para ajudar os pais a se manter.

"Essas autorizações representam uma grave lesão do Estado brasileiro aos direitos da criança e do adolescente. Ao conceder as autorizações, o Estado está incentivando [os jovens a trabalhar]. Isso representa não só uma violação à Constituição, mas também às convenções internacionais das quais o país é signatário", disse o procurador.

Marques garante que as autorizações, que ele considera inconstitucionais, prejudicam o trabalho dos fiscais e procuradores do Trabalho. "Os fiscais ficam de mãos atadas, porque, nesses casos, ao se deparar com uma criança ou com um adolescente menor de 16 anos trabalhando, ele é impedido de multar a empresa devido à autorização judicial."

Procurado, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) não se manifestou sobre o assunto até a publicação da reportagem.

DELEGADO ESPECIAL SÓ PARA JUÍZES

Proposta de ter delegado especial só para juízes sofre críticas - FOLHA.COM, 22/10/2011

Especialistas e dirigentes de entidades dizem que a proposta do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Roberto Bedran, de criação da figura de um "delegado especial" para cuidar de ocorrências policiais envolvendo magistrados é inconstitucional e desnecessária.

O pedido foi feito por Bedran à Secretaria de Estado da Segurança Pública.

"A sugestão é inconstitucional e discriminatória porque cria duas categorias de cidadãos, a dos comuns e a dos juízes", afirmou o professor de direito constitucional João Antonio Wiegerinck.

A proposta de Bedran foi feita em sessão nesta semana, em que o juiz Francisco Orlando de Souza, 57, foi promovido a desembargador.

No dia 9, Souza foi detido sob suspeita de dirigir embriagado e sem habilitação. Ele foi liberado no mesmo dia e nega que estivesse bêbado.

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, Luiz Flávio D'Urso, não se pode criar uma "seletividade" na Justiça.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Nelson Calandra, e o procurador-geral de Justiça, Fernando Grella, disseram que não é necessário designar um delegado especial para atender juízes porque há poucas ocorrências desse tipo.

O PÊNDULO, A CENTRALIZAÇÃO E A REPÚBLICA

LUIZ WERNECK VIANNA, Professor-pesquisador da PUC-Rio. Email: lwerneck096@gmail.com - O Estado de S.Paulo -22/10/2011


Seria de supor que algumas correntes liberais brasileiras, ao menos as de "casco duro" - para se utilizar de uma expressão jocosa introduzida pelo ex-presidente Lula em nosso vocabulário político -, manifestassem alguma relação de empatia com a posição firmada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), uma vez que no cerne da controvérsia sobre que papel deve desempenhar o Conselho Nacional de Justiça no controle do exercício da magistratura está a antinomia centralização/descentralização, que, desde o Império, acompanha a nossa História.

No caso, uma vetusta tradição liberal, cuja mais incisiva formulação se tornou clássica com a publicação de A Província, em 1870, de Tavares Bastos, uma denúncia dos males da centralização administrativa, que ainda ecoa no não menos clássico da nossa bibliografia liberal Os Donos do Poder (1958), de Raimundo Faoro, denúncia que, a partir de outros porta-vozes, vai ressurgir nas lutas contra o autoritarismo político do regime militar e encontrar tradução nas demandas municipalistas dos movimentos políticos e sociais apresentadas ao legislador constituinte de 1988.

A Carta de 1988, redigida num tempo em que ainda se ouviam as vozes de Tancredo Neves e de Ulysses Guimarães - "as pessoas vivem nos municípios e não na União" -, além de fazer girar o pêndulo em favor da descentralização, combinava a democracia representativa com a de participação e abrigava, em nome da justiça social, postulações de direito material, protegidas constitucionalmente por alguns instrumentos criados com essa finalidade. A igualdade, pela primeira vez em nossa História, encontrava estatuto próprio como um ideal coletivo a ser perseguido por políticas de Estado.

A igualdade tem suas urgências e os recursos para atendê-las eram e são escassos. Nada de surpreendente, portanto, que os tempos subsequentes à promulgação da Carta de 88, que nos trouxe de volta a descentralização, depois de décadas de vigência do princípio que lhe era oposto, comecem a assistir, agora num cenário de democracia política institucionalizada, ao movimento do pêndulo em direção à centralização administrativa, diante de uma sociedade cada vez mais enredada nas agências estatais e dependente delas.

Tais efeitos perversos da afirmação da agenda da igualdade não são incomuns, constatados por dois dos maiores fundadores da teoria social moderna, Tocqueville e Marx, que, malgrado a radical diferença existente entre eles, convergiram no diagnóstico - o primeiro, em O Antigo Regime e a Revolução, o segundo, em O 18 Brumário de Luis Bonaparte - de que a asfixiante centralização que tomou conta da sociedade francesa após a Revolução de 1789 - a revolução da igualdade - era um dos seus frutos negativos. Para ambos, porém, a centralização não é filha, em linha direta, da igualdade, mas da falta de República e da livre vida associativa que lhe é própria. Sem ela as postulações por igualdade são interpretadas pelo Estado que as concede à sua discrição e a partir de um cálculo em que suas conveniências são levadas em alta conta, entre as quais a de sua política de legitimação.

A revolução democrática brasileira, que tomou forma na Carta de 88, resultou da articulação de uma ampla coalizão política, que, em suas lutas por liberdades civis e públicas, abriu passagem para a emergência de uma vigorosa movimentação dos setores subalternos em torno dos seus interesses, logo que começaram a se emancipar dos controles coercitivos a que estavam sujeitos. Tal movimentação persistiu ao longo do processo de transição para a democracia e da sua subsequente institucionalização, mantendo a esfera pública sob pressão, inclusive em suas manifestações eleitorais, no sentido de reforçar as postulações por direito material que procediam de várias regiões da vida social.

Com a escora dos fundamentos constitucionais igualitários, essas pressões se fizeram irresistíveis. Diante da escassez de recursos da Federação e dos imperativos de urgência reclamados pela sociedade, mesmo que na ausência de um plano definido, inicia-se, então, um novo giro em favor das tendências centralizadoras. Seu carro-chefe será o das agências públicas de âmbito nacional, como o Sistema Único de Saúde (SUS), decididamente uma política igualitária de largo alcance, que se torna um paradigma dominante em termos de outras políticas sociais, como no caso das políticas de educação e de segurança, para não falar das políticas assistenciais do tipo do programa Bolsa-Família, todas com baixa ou nenhuma participação ativa da sociedade.

De modo quase invisível à percepção imediata, tem-se instalado uma estatolatria doce, justificada e legitimada por sua destinação social. Nessa batida, sem sequer se mencionarem os graves problemas tributários, a Federação cede espaços à União e a sociedade abdica de sua autonomia em favor do Estado. A tendência à centralização torna-se universal e não poupa nenhuma região da vida social: há problemas de segurança, chamem-se as Forças Armadas, embora o Haiti não seja aqui; há corrupção no Judiciário, apele-se ao Conselho Nacional de Justiça, passando por cima das Corregedorias dos tribunais, tidas de antemão como suspicazes, e sem que sequer se esbocem tentativas de mobilização das corporações profissionais dos operadores do Direito e de setores da sociedade a fim de exigirem exemplar correição.

A República democrática tem seus custos sociais e políticos e um dos mais elementares deles é o de criar e preservar as condições para a auto-organização do social, com a sociedade e suas instituições empenhadas na solução dos seus problemas e desafios, forma com que nem sempre se chega mais rapidamente ao objetivo, mas, como o demonstra sobejamente a nossa já longa experiência republicana, é muito melhor e mais segura.