MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

segunda-feira, 19 de março de 2012

PARA QUESTÕES DE MASSA, A AÇÃO COLETIVA É A SOLUÇÃO

ENTREVISTA: DESEMBARGADORA THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA - por Alessandro Cristo, editor da revista Consultor Jurídico, 18 de março de 2012

Depois de chegar à situação desesperadora de receber mais processos do que a Justiça comum, os Juizados Especiais Federais da 3ª Região, em São Paulo e Mato Grosso do Sul, conseguiram dar a volta por cima. Criados para dar trâmite rápido a causas de até 60 salários mínimos, essas varas viram entrar, em 2007, o impressionante número de 252 mil casos novos, 65 mil a mais do que receberam as varas tradicionais. Nos últimos dois anos, no entanto, essa realidade começou a mudar, graças à redução na entrada de processos e ao constante aumento na produção dos juízes. Em 2011, chegaram 166 mil novas ações e saíram 226 mil sentenças. O acervo caiu de 897 mil processos em 2006 para 242 mil em dezembro.

A proeza coincidiu com o mandato da desembargadora Therezinha Astolphi Cazerta à frente da Coordenadoria dos Juizados na 3ª Região. Metódica, ela priorizou a gestão dos Juizados e se articulou politicamente para garantir melhorias às 36 varas nos dois estados. Tem sua assinatura a implantação da distribuição de processos por varas nos Juizados Especiais de São Paulo, o que permitiu a prevenção. Antes, os processos eram ligados aos juízes, o que provocava trombadas na marcação de audiências. A mudança acelerou as decisões. Sem o sistema, os Juizados da 3ª Região terminaram o ano passado com 90 mil processos conclusos para sentença. No fim de março, já com a mudança em vigor, o número caiu para 30 mil.

Também se deve à gestão da desembargadora o novo Portal de Intimações, pelo qual órgãos do governo como INSS, Caixa Econômica Federal, Advocacia-Geral da União, Defensoria Pública da União e Ministério Público Federal são intimados via sistema, com contagem de prazo a partir da leitura das mensagens eletrônicas.

Com mandato terminado na última quinta-feira (15/3) após dois anos de trabalho, logo após o aniversário de dez anos dos Juizados da 3ª Região, a desembargadora deixa adiantadas discussões para integração do banco de dados do INSS ao dos JEF, a fim de acelerar cálculos e perícias em ações sobre benefícios previdenciários, e para a conversão dos chamados Juizados básicos — que trabalham com estrutura emprestada — em varas permanentes, com juízes fixos. A intenção é convencer a cúpula do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e o Conselho da Justiça Federal a instalar Juizados efetivos em cidades onde funcionam os improvisados em vez de inaugurar varas comuns em locais onde há menos demanda, como previsto no cronograma do CJF.

É no CJF, inclusive, que ela assume sua nova função. Ela vai representar o TRF-3 no órgão federal. Para o seu lugar na Coordenadoria foi escolhida a desembargadora Marisa Santos, que já exerceu a função. Como membro mais antigo do Conselho da Justiça Federal da 3ª Região, Therezinha também ocupará interinamente o cargo de corregedora-geral nas ausências do titular, desembargador Fábio Prieto.

Há 24 anos na magistratura e 14 no tribunal, Therezinha é especialista em Direito Penal e pós-graduada na área pela USP. Colocou seus conhecimentos à prova ao ser relatora de recursos decorrentes da operação anaconda, da Polícia Federal. Foi dela a ordem de prisão do juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, dada em 2003, condenado por participar de um esquema de venda de sentenças investigado na operação. O julgamento dos 12 réus pelo TRF-3 levou um ano para terminar.

A desembargadora recebeu a ConJur em seu gabinete para conceder entrevista para o Anuário da Justiça Federal 2012, lançado neste mês no Superior Tribunal de Justiça.

Leia a entrevista.

ConJur — Quais foram as conquistas da sua gestão à frente da Coordenadoria?
Therezinha Cazerta — A maior foi a distribuição de processos por varas. Essa era uma reivindicação antiga e criava uma série de dificuldades no tratamento de processos e no acompanhamento pelos juízes. Isso otimizou muito o trabalho, organizou e definiu o espaço de cada um, porque antes não havia uma distribuição de processos por varas.

ConJur — Como era antes?
Therezinha Cazerta — O JEF de São Paulo, por exemplo, tinha 12 varas, mas os processos caminhavam todos juntos e eram distribuídos aos juízes independentemente das varas. Eles não tinham uma localização definitiva em cada vara, dependia da disponibilidade dos juízes no momento.

ConJur — Não havia prevenção?
Therezinha Cazerta — Tinha prevenção em relação aos juízes que já atuavam no processo, mas não em relação à vara. Isso criava uma série de dificuldades e o processo acabava tendo um andamento um pouco truncado por conta de não ter uma direção única. Existia uma secretaria, uma distribuição, um atendimento. E esses setores eram comuns, serviam a todos os juízes e a todas as varas. Ia-se distribuindo aos juízes, porque os processos sempre entravam e já iam para a pauta de audiência. Então, formava-se a pauta de audiência e no dia em que havia audiência os juízes que estavam disponíveis marcavam e recebiam aqueles processos distribuídos de forma igualitária. Não era o juiz quem pautava. Já vinha pautado. E havendo necessidade de algum despacho anterior à audiência, também havia uma distribuição conforme a disponibilidade do momento. Quando digo disponibilidade, me refiro a juízes em férias, em convocação no tribunal. Então, aí no caso de o juiz ter despachado em um processo e depois não estar presente, para qualquer decisão futura o processo automaticamente era distribuído para outro. Então, no mesmo processo muitos juízes acabavam atuando. Quando remarcava a audiência, não se sabia quem é que ia fazer a audiência. Agora não. Agora a pauta é de cada vara e os processos são sempre encaminhados para a mesma vara. Uma vez distribuído, fica vinculado à vara.

ConJur — Desde quando o novo sistema funciona?
Therezinha Cazerta — Desde o começo desse ano. Cada juiz sabe qual é o seu acervo e qual a condução dos seus processos. A secretaria continua sendo única, porque o Juizado tem um sistema de funcionamento bem diferente das varas comuns. Ele não tem uma secretaria para cada vara. Todos os processos são tratados na mesma secretaria, pelos mesmos funcionários. Mas agora, são direcionados para cada gabinete. Os juízes recebem esses processos para despacho, para sentença, para audiência, e os processos ficam vinculados pela vara. Se o juiz não estiver na vara, o processo continua. Os funcionários da vara é que cuidam daquele processo. Isso permite ao juiz ter conhecimento do seu acervo e organizar o seu trabalho, estabelecer metas e se organizar para dar conta daquilo. Coisa que não existia antes, porque era um volume enorme, tratado por uma presidência, que ia encaminhando esses processos.

ConJur — Em que consiste o trabalho na Coordenadoria?
Therezinha Cazerta — Temos contatos frequentes com o Conselho da Justiça Federal e com o Conselho Nacional de Justiça para levar as questões mais globais dos Juizados, que fogem a alçada e das condições do tribunal. Além disso, cada Juizado tem um presidente, que é um juiz que o administra. Nós temos reuniões e contatos frequentes, eles nos trazem os problemas e nós encaminhamos para soluções possíveis. A maior demanda de Juizados é informática. Como nosso processo é informatizado, todo dia há necessidade de melhoramento, correções e alterações.

ConJur — O que tem sido feito nesse sentido?
Therezinha Cazerta — Fizemos várias alterações para melhorar as ferramentas, como para verificação de prevenção e para cálculos, por exemplo. Temos também o Portal de Intimações, para possibilitar a intimação das partes com intercomunicação de sistemas. Nós nos interligamos com procuradorias em geral, e eles recebem as informações do processo diretamente em seus sistemas. A contagem de prazo é feita automaticamente, para controle nosso e para controle deles, e as respostas veem direto para o processo.

ConJur — Quantos Juizados há na 3ª Região?
Therezinha Cazerta — Temos 20 subseções com Juizados em São Paulo e Mato Grosso do Sul. São 36 varas. Algumas cidades têm duas varas, mas a maioria tem uma só. Na cidade de São Paulo, são 14.

ConJur — Os Juizados foram criados para dar soluções rápidas, mas há casos em que o volume de processos é maior que o das varas comuns. A demanda continua crescendo?
Therezinha Cazerta — Não. Diminuiu um pouco, mas o volume ainda é muito grande, sensivelmente maior do que o das varas comuns. Em todos os lugares onde há instalação de Juizado e de vara, o volume do Juizado é o dobro ou o triplo do da vara. Enquanto as varas comuns recebem em média entre 100 e 150 processos por mês, os Juizados recebem uma média de 500, sendo que há Juizados que recebem mil como média, como Sorocaba (SP), por exemplo. Em São Paulo, cada Juizado recebe 400 processos por mês. Em Santos (SP), a faixa é de 700. Em Franca (SP), são 600. As menores distribuições estão em torno de 200 por mês, que é o volume normal de varas comuns.

ConJur — A que se deve essa explosão de ações?
Therezinha Cazerta — Tivemos, por volta de 2006, um crescimento vertiginoso. Chegamos a um milhão de casos. Naquela época, houve muitas ações revisionais de benefícios do INSS. Tempos depois, essas questões acabaram decididas em bloco, e o INSS, com o tempo, implantou as mudanças. Mas esse processo foi muito lento. Os Juizados ficaram muito inchados por causa dessas ações e também das de poupança e FGTS envolvendo os planos econômicos. Hoje, 80% das ações são contra a Previdência.

ConJur — Um dos objetivos da Justiça Federal é se capilarizar. Como está a interiorização dos Juizados?
Therezinha Cazerta — Cresceu bastante, mas ainda falta muito. Seria necessário pelo menos mais do que um Juizado por subseção. Hoje há regiões inteiras em São Paulo com apenas um ou dois Juizados, como Sorocaba, Ribeirão Preto e Franca. Marília, Bauru, Araçatuba e Lins não têm nenhum. São José do Rio Preto e Piracicaba têm volume bastante grande de processos, e precisam de Juizados com urgência.

ConJur — O que é necessário para que sejam instalados Juizados nesses locais?
Therezinha Cazerta — Criação de lei. A Lei 12.011/2009 determinou a instalação de novas varas federais, com o intuito prioritário de ampliação dos Juizados. Na prática, não foi isso que aconteceu. Foram criadas muito mais varas comuns do que Juizados. Muitos locais que precisavam de Juizado acabaram tendo varas comuns. Há locais em que temos Juizados básicos, que funcionam sem uma estrutura de vara, de modo provisório, mas que acaba se tornando permanente. Não têm cargo de juiz, que fica transitoriamente ou é emprestado de algum lugar. Isso é muito ruim, porque o juiz não se fixa em um local e acaba não havendo uma administração adequada. O problema desses Juizados não foi resolvido. Hoje, há três deles, com volume muito grande: em Franca, São Carlos e Lins. O de Santo André já foi convertido em vara.

ConJur — Como maior demandado da Justiça Federal, o que o INSS poderia fazer para evitar essa enxurrada de ações?
Therezinha Cazerta — Não se pode querer que o INSS sempre pague tudo o que é pedido. A proliferação dessas demandas decorre da demora na pacificação do litígio, porque o processo tem um tempo de maturação. O que deveria ser mais estimulado é o uso de ações coletivas, porque há uma resistência muito grande e injustificada contra elas. Para essas questões de massa, a ação coletiva é a solução. Isso já diminuiria a demanda e facilitaria para que a resposta fosse mais rápida e uniforme. Ferramentas como a repercussão geral também precisam ser mais aplicadas, porque embora os juízes sejam livres nos seus convencimentos, a comunidade não pode permanecer em uma incerteza que dura, em alguns casos, 20 anos. É preciso priorizar o julgamento dessas questões de massa. O Judiciário ainda não está trabalhando bastante bem com essas questões.

ConJur — Os Juizados também fazem jurisprudência?
Therezinha Cazerta — Com certeza. Além dos Juizados, há Turmas Recursais e a Turma Nacional de Uniformização. É claro que uma pacificação maior das questões fica condicionada à própria estrutura dessas turmas, porque elas têm uma formação temporária. Os juízes têm mandato de dois anos e, com isso, há muita alteração de jurisprudência. O que melhoraria muito seria a estruturação definitiva das Turmas Recursais, que é tema de um projeto de lei tramitando no Congresso. Os juízes passariam a ter cargos fixos nas Turmas Recursais. Hoje, cada juiz nas Turmas tem, em média, um acervo de 10 mil recursos para julgar.

ConJur — A falta de exclusividade dos juízes das Turmas Recursais é o motivo do gargalo nessa fase do processo?
Therezinha Cazerta — Com certeza, porque o juiz não tem condição de dar dedicação exclusiva para a Turma Recursal. Estamos hoje com quase 200 mil processos nas Turmas Recursais de São Paulo. Dividindo isso por 15 juizes, chegamos a mais de 10 mil para cada um. Outro problema são os processos sobrestados. Esse seria um mecanismo para diminuir a duração do processo na medida em que as questões fossem julgadas na Turma Nacional e automaticamente implementadas como o sistema de repercussão geral do Supremo. Mas esse processo também acaba sendo lento, porque algumas questões estão sobrestadas esperando justamente decisão do Supremo. Hoje em dia, 30% do volume das Turmas Recursais está sobrestado, tanto pela Turma Nacional quanto pelo STF.

ConJur — Quantas Turmas Recursais há em São Paulo?
Therezinha Cazerta — São cinco turmas, formadas de três juízes e um suplente. Pela lei, poderia ser até três suplentes, mas não há interessados suficientes, justamente por essa questão de acumulação de funções, que torna muito difícil encontrar juízes que tenham interesse.

ConJur — Para promoção por merecimento, um juiz de Juizado teria mais pontos do que o juiz de vara comum?
Therezinha Cazerta — Se for se levar em conta a produtividade, com certeza. A produtividade de um juiz de Juizado tende a ser muito maior, mas sou radicalmente contra se pesar apenas a produtividade. É preciso levar em conta também a qualidade do trabalho. Toda a vida de trabalho de um juiz tem que ser analisada sob vários aspectos, e a produtividade é apenas um deles.

ConJur — Qual é o estimulo que um juiz tem para trabalhar nos Juizados?
Therezinha Cazerta — Há juízes que se afeiçoam mais aos Juizados por conta dessa resposta muito rápida. O juiz faz as audiências, tem contado direto com as partes, dá a sentença no ato. É uma Justiça muito mais eficiente, mais efetiva. Há muitos juízes que gostam disso. Há também os que gostam das matérias, mais sensíveis à sociedade, para atender a uma população mais carente. Há juízes que se identificam com isso.

ConJur — O quadro de funcionários é o mesmo das varas comuns?
Therezinha Cazerta — Não, é muito inferior. Nas varas comuns, o número varia entre 12 e 15 funcionários. Nos Juizados, há entre sete e dez. Os Juizados, geralmente, foram criados com o que era possível na ocasião. Muitos estão com os quadros defasados.

ConJur — Que questões ainda têm gerado impasse?
Therezinha Cazerta — Situação que ainda não foi decidida com repercussão geral pelo Supremo é a definição da situação de miséria para recebimento do benefício assistencial, se a renda familiar de um quarto do salário mínimo é mesmo o teto limite. Também existe a questão do juros de mora em precatórios, que foi decidida apenas em parte. O INSS também recorre muito nos Juizados por conta de sentenças ilíquidas. Pela lei dos Juizados, as sentenças deveriam ser líquidas, já deveriam ter o valor da condenação. Nas varas comuns, isso se faz na fase de execução. No geral, as sentenças são ilíquidas e depois se executa, vai para cálculo. Nos Juizados, deveria ser o inverso, fazendo-se os cálculos primeiro para que a sentença já saia com o valor definido. Só que os Juizados não têm estrutura para isso, devido ao volume de ações. Não temos contadores suficientes. O INSS também não se dispõe a fazer os cálculos. A parte, que é normalmente hipossuficiente, também não tem condições. Isso gera uma divergência muito grande, porque há entendimento de que a sentença pode ser líquida com parâmetros, ou seja, o juiz define já as bases para que o cálculo seja feito. Mas o INSS também não aceita, quer que o valor seja definido em sentença. Se o juiz determina que o INSS faça os cálculos, o órgão não aceita e recorre. Essa é uma questão que está para ser julgada no Supremo, há uma ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] a respeito. Se for decidido que a sentença tem que ser líquida, os Juizados vão afundar, porque não há a menor condição de cumprir isso, a não ser que houvesse uma parceria com o INSS que, como parte do processo, dividisse essa incumbência com os Juizados, porque eles têm os dados para fazer os cálculos, têm todos os elementos necessários em sua base de dados.

ConJur — Existe uma proposta em estudo que pretende permitir a migração dos dados do INSS para os sistemas dos Juizados, de forma a facilitar os cálculos. A ideia já foi implantada?
Therezinha Cazerta — Não. Nós temos pedido isso há mais de dois anos e não temos respostas. Seria efetivamente uma comunicação de sistemas, uma interoperabilidade entre o sistema do JEF e o do INSS. Porque aí o nosso sistema teria condições de extrair os dados automaticamente e repassá-los para o nosso sistema, coisa que hoje é feita manualmente. Nós temos acesso a muitos dados, mas precisamos abrir o sistema do INSS e copiar para o nosso. Há uma perda de tempo enorme. Teria que haver um sistema automático de transferência de informações. Isso resultaria em uma economia de 50% no tempo que se gasta para fazer um cálculo. Cálculos nos Juizados federais são muito complexos, não é simplesmente aplicar correção monetária e juros. Há que se levantar, por exemplo, todos os salários de contribuição de uma pessoa, anos de atividade que têm de ser digitados mês a mês.

ConJur — Pelo fato de a quase totalidade dos processos acabarem em segundo grau nos Juizados, a recorribilidade é menor?
Therezinha Cazerta — Não temos nos Juizados aquela disseminação de recursos enorme como há na competência comum, com tantos agravos. Há Embargos de Declaração, mas não Agravos de Instrumento. Há pedidos de tutela, de liminar. Mas recursos incidentais são muito restritos. É muito difícil se reverter uma liminar, só em situações muito excepcionais. A ideia realmente é restringir. Quanto aos graus de recurso, temos até demais. Existem as Turmas Recursais, as Turmas Regionais de Uniformização e a Turma Nacional de Uniformização. Há até projeto de se extinguir as Turmas Regionais, já que sua atuação efetiva é muito pequena, o número de recursos é baixo. Quando há divergência de entendimento entre turmas da mesma região, a Turma Regional é quem decide. Quando há divergência em turmas de Regiões distintas, aí vai para a Turma Nacional. Isso faz com que tudo vá para a Turma Nacional, porque tanto há divergência em uma Região quanto em outra. Mas, teoricamente, existe o Juizado, a Turma Recursal, a Turma Regional e a Turma Nacional. Depois disso, só o Supremo.

ConJur — Os Juizados também investem na conciliação?
Therezinha Cazerta — Bastante. Fizemos um trabalho forte com a Caixa Econômica Federal em matéria de Sistema Financeiro da Habitação, embora nosso volume seja pequeno, porque as ações aqui devem tratar de verbas de até 60 salários mínimos. Entram também dívidas do FIES, o crédito educativo para universitários, em que a Caixa costuma fazer acordo. Sempre promovemos rodadas de conciliação. Nosso sistema facilita muito, porque encaminhamos lotes de processos por de e-mail, porque aqui é tudo eletrônico. A Caixa examina, manda as propostas também por via eletrônica e faz peticionamento eletrônico. É bem mais ágil.

ConJur — Assim que o devedor entra com a ação aqui, vocês já encaminham à Caixa antes de distribuir ao juiz?
Therezinha Cazerta — Distribuímos o processo, mas já encaminhamos para a Caixa verificar a possibilidade de acordo. Com a Caixa informando, já marcamos uma semana, um dia, conforme o volume, para que venham as partes para tentar acertar. A mesma coisa acontece com o INSS, não em todas as matérias, mas em algumas revisionais e em matéria de incapacidade, aposentadoria por invalidez e auxílio-doença. Fazemos uma perícia e já encaminhamos ao INSS. Os juízes sempre participam dessas audiências, nas quais a parte diz se vai aceitar o acordo ou não e na mesma hora já é concedido o benefício. Isso resolveu muitos problemas de cumprimento de decisões, porque temos média 4 mil processos pendentes de cumprimento só no JEF de São Paulo. Agora melhorou, mas tinha processo com atraso de um ano para cumprimento.

ConJur — Deixando a Coordenadoria dos Juizados em março, a desembargadora voltará a julgar na 3ª Seção do tribunal. Como julgará os pedidos de desaposentação?
Therezinha Cazerta — Não acho viável, nem com devolução do que o beneficiário recebeu. O sistema possibilita uma opção, uma escolha entre duas alternativas. Escolheu-se uma, renunciou-se à outra. A pessoa pode optar por continuar em atividade para ter uma aposentadoria integral ou aposentar com a aposentadoria proporcional. A lei é clara ao dizer que se continuar ela contribuindo não terá direito a outro benefício. É um ato jurídico perfeito e a opção é livre. Agora, se o Supremo definir que é possível, a devolução é inexorável. Fala-se em desaposentação, mas esse é um termo equivocado, é uma reaposentação. Não se está renunciando a uma coisa na condição de receber outra em troca. Na verdade, o que se quer é uma revisão das bases de cálculo do benefício. Se você tornar sem efeito o ato que concedeu a primeira aposentadoria, tem que tornar sem efeito também seus efeitos. Se houve pagamento, tem que haver devolução.

ConJur — Como a desembargadora vê as metas de julgamento do CNJ?
Therezinha Cazerta — Como tudo na vida, tem dois lados. É interessante porque é um olhar de fora sobre coisas que, às vezes, o próprio gabinete não vê, e é uma forma de orientar toda a Justiça no mesmo sentido, norteia os servidores, toda a estrutura, para trabalhar dentro de uma organização, o que traz uma eficiência muito maior. Mas não se pode adotar uma forma genérica que sirva para todos os casos. Em matéria previdenciária, por exemplo, há coisas distintas, como concessão de benefício, revisão, execução de sentença, embargos. Quem pede concessão de benefício está sem receber nada e tem urgência absoluta na solução do seu problema. Já quem tem pedido de revisão recebe um benefício. Pode não ser o valor devido, mas alguma coisa já está recebendo. Quem tem embargos, está recebendo o valor correto e tem os atrasados para executar, então, para o dia a dia, a pessoa tem. Não se pode tratar da mesma forma as três situações. Então, se você estabelece uma única meta, vai deixar alguém morrer de fome para pagar o atrasado para o outro. Também há o risco da linha de produção, que é a de criar-se uma montanha de lixo. Na medida em que se cobra produtividade sem se oferecer os recursos necessários, estimula-se que a produção seja feita sem maior critério. É bem mais importante um processo bem julgado do que um processo julgado com muita rapidez. A celeridade é importante, porque nós temos um volume e as pessoas não podem ficar esperando uma eternidade, mas há casos que demandam um estudo particularizado, que não podem ser julgados com presa nem em lote.

ConJur — A desembargadora foi a relatora de processos originados da operação anaconda, da Polícia Federal, que investigou venda de sentenças. O que achou do desfecho?
Therezinha Cazerta — Foi um trabalho muito grandioso, muito importante na minha carreira. Além de trabalhoso devido ao volume, foi um trabalho muito difícil, ao qual fiquei dedicada exclusivamente durante um bom tempo. O processo principal foi julgado em um ano, um prazo recorde. Foram mais de cem volumes, mais de cem testemunhas para ouvir. Na minha visão, foi feita justiça, conforme os elementos colhidos. Era um processo muito grande e que gerou muitos filhotes. Alguns eu julguei. Outros, depois que o juiz João Carlos da Rocha Mattos perdeu o cargo, foram encaminhados para o primeiro grau. Eram 12 réus. Muitos estão nos tribunais superiores ainda.

ConJur — Pelo tribunal passaram operações importantes da Polícia Federal, derrubadas pelo STJ devido a irregularidades durante o processo investigatório. Que conclusões pode-se tirar disso?
Therezinha Cazerta — Há divergências. Alguns juízes entendem de uma forma, outros de outra. Sempre haverá a possibilidade de reversão de decisões nos dois sentidos. Isso faz parte da independência dos juízes.

ConJur — De acordo com as decisões do STJ, o TRF-3 tolerou nulidades nas acusações.
Therezinha Cazerta — É muito difícil falar genericamente, porque há nulidade e nulidades. Obviamente, nulidades patentes, que são reconhecidas, nenhum tribunal vai referendar. Ainda que haja muitas provas, se houver uma nulidade fulminante, lamenta-se, mas tem que se reconhecer. Isso todos os juízes fazem. O que ocorre é que há divergência em relação a algumas irregularidades que uns entendem que são bastantes para anular um processo, e outros não. Há também situações processuais em si, que teoricamente poderiam anular o processo, mas que naquele caso específico não causaram prejuízo. Uma escuta telefônica que esteja totalmente irregular, por exemplo, se não foi prova principal do processo, se existem outros elementos, se você pode dispor daquela prova e mesmo assim ter prova substanciosa, não se vai derrubar toda uma investigação por conta disso. É necessário que haja realmente um prejuízo sobre a prova. Agora, quando há uma questão de cerceamento de defesa, tem que reverter todo o processo. E isso pode acabar gerando prescrição. O STJ é quem define o fim do processo. E há juízes de todas as vertentes em todos os tribunais.

ConJur — Uma investigação pode começar por uma escuta telefônica?
Therezinha Cazerta — Como regra, não. Tem que ter alguma base para se iniciar uma investigação. Escuta sem elemento nenhum, sem base nenhuma, não é possível, o juiz não pode autorizar. Mas nunca vi isso acontecer. É uma invasão da mais alta significação. O juiz só pode autorizar dentro das possibilidades previstas na lei. Nisso pode haver divergência também, porque é uma valoração que cada juiz vai fazer. Um pode entender que existem elementos suficientes, mas outro não.

ConJur — Denúncia anônima é elemento autorizador de uma escuta?
Therezinha Cazerta — Isso não. Mas você pode fazer outras investigações e, a partir dessas investigações, se se recolheu alguns elementos, é possível autorizar a escuta. A autoridade responsável pela investigação, pelo fato de a denúncia ser anônima, não pode se omitir da investigação. Muitas vezes é só através de uma denuncia anônima que se vai chegar a alguma informação de fato delituoso.

ConJur — A lei diz que interceptações telefônicas podem ser autorizadas por 15 dias, prorrogáveis por mais 15, mas não impõe um prazo máximo. Na sua opinião, há um limite?
Therezinha Cazerta — Não. Regras desse tipo são muito fechadas, não se amoldam à situação de fato. Deve se manter uma investigação enquanto não se elucidou o fato e ainda há elementos suficientes para justificar a continuação da investigação. É impossível preestabelecer condições, porque dependendo da investigação, um mês é suficiente, já para outra um ano não vai ser. É claro que não se pode manter uma investigação com base em um elemento inicial que não se manteve no curso da investigação. Mas se as tratativas continuam e ainda não se conseguiu fechar o círculo, é necessário ir até o fim. Não adianta investigar e parar em um ponto em que não se elucidou completamente o caso. Pode-se ter alcançado apenas o elo frágil da corrente, mas o principal ainda não, porque é normalmente o mais protegido, o mais difícil de se reconhecer. O juiz terá sempre que avaliar. Se a investigação não está resultando em nada, não pode se manter uma violação à intimidade da pessoa.

ConJur — Para recebimento da denúncia, basta que ela apresente indícios de participação e materialidade do crime, ou a conduta dos acusados precisa estar individualizada?
Therezinha Cazerta — A denúncia é um relatório, mas não precisa ser detalhada e circunstanciada. O que precisa é descrever uma conduta que se amolde às previsões da lei penal. Não precisa ser uma descrição altamente detalhada. A participação de cada um tem que ser descrita, mas não há necessidade de um detalhamento profundo, apenas que se evidencie o que cada um faz dentro daquela estrutura criminosa.

ConJur — A desembargadora também relatou processo ligado à operação sanguessuga da Polícia Federal. Como está o caso?
Therezinha Cazerta — Esse processo é sigiloso. Recebi em julho de 2011, para recebimento de denúncia de uma das ramificações. Há outras tantas que ainda estão pendentes de oferecimento ou de recebimento de denúncia. São várias prefeituras em São Paulo e Mato Grosso do Sul, e cada uma gerou um processo. No caso que analisei, a denúncia foi aceita no tribunal.

ConJur — O Ministério Público Federal reclama da demora do Órgão Especial em analisar esse tipo de situação. A senhora concorda?
Therezinha Cazerta — Encaminhei ao tribunal uma questão regimental, uma proposta de alteração na competência em matéria de processo de responsabilidade de prefeito. Hoje, essa matéria corre no Órgão Especial. Eu propus que isso fosse para as turmas criminais, para que os processos tenham um andamento mais rápido. Processos de responsabilidade em geral, fora os contra juiz. Porque juiz tem que ser sempre julgado pelo Órgão Especial. Juiz e procurador da República. Isso não pode mexer. Mas nos outros casos, não há uma regra na lei. Isso continua em discussão, é uma questão polêmica, ainda não foi concluída. O Órgão Especial é um grupo de 18 juízes e todos votam em todos os processos. Por isso, os processos acabam demorando muito.

ConJur — A desembargadora também propôs mudanças nos critérios de promoção de juízes. Por quê?
Therezinha Cazerta — Fizemos propostas para restringir o número de juízes que podem concorrer a processo de promoção por merecimento de acordo com a lista de antiguidade, ou seja, para restringir aos juízes mais antigos na carreira a possibilidade de promoção para o tribunal, como ocorre na Justiça estadual. Lá, só os juízes que compõem o quinto mais antigo da lista são quem pode concorrer a promoção por merecimento. Isso é uma forma de valorizar a experiência dos juízes e exigir que para ir ao tribunal o juiz já tenha ficado um bom tempo na primeira instância e esteja entre os mais experientes da carreira. Isso hoje não é observado nos tribunais federais. Quando a promoção é por merecimento, qualquer um pode concorrer, desde que tenha cinco anos de carreira.

ConJur — Quais são seus doutrinadores preferidos?
Therezinha Cazerta — Eu gosto bastante de Direito Penal, mas hoje em dia as questões de Processo Civil me entusiasmam mais. Gosto de Cândido Dinamarco, Fredie Didier, Luiz Guilherme Marinoni e uma série de outros.

ConJur — Como foi sua trajetória até chegar ao TRF-3?
Therezinha Cazerta — No começo, queria muito ser promotora, fiz muitos concursos, estudei muito para o Ministério Público. Por contingências, acabei não conseguindo e fui ser juíza. E foi ótimo, foi a melhor coisa. Antes disso, fui procuradora do Instituto de Assistência Médica do Servidor Público e depois procuradora do estado de São Paulo, entre 1985 e 1988, na área de assistência judiciária, que hoje é a Defensoria Pública. Atuava só em área criminal, assistência judiciária na área criminal. Eu gostava. Trabalhei em cadeia também, fiz assistência judiciária para preso. É uma experiência muito interessante, enriquecedora, porque a gente vê o crime pelo outro lado, e isso é muito importante para a formação do juiz. Vi também o lado do Ministério Público por afinidades pessoais. Fui casada com um procurador de Justiça. Depois, atuei mais propriamente ao lado da defesa. Isso me ajudou a me posicionar bastante na área criminal. Especialmente na Justiça estadual, a gente vê muita miséria entre os presos. O fator determinante dos crimes é a mais profunda miséria, em todos os sentidos. Isso acaba te fazendo entender por que as pessoas agem de certa forma, e também te faz não entender por que outras agem de uma forma para a qual não teriam razão. Daí entrei na Justiça Federal em 1988. Trabalhei um tempo na 11ª Vara Federal Criminal em São Paulo como substituta e depois fui para Santos, onde fui juíza titular por dez anos. No tribunal, já estou há 12 anos.

ConJur — Tem algum hobbie?
Therezinha Cazerta — Eu me interesso por muitas coisas e não tenho tempo para nenhuma delas. Estou esperando a aposentadoria para poder cuidar de plantas e de música. Sou formada em piano. Tenho um piano em casa, mas faz muito tempo que não toco. Também adoro fotografia, mas sou amadora. Viajar é outra coisa de que gosto muito. Fui à Turquia, à Grécia, à Itália, à França, à Inglaterra. Mas acho Lençóis Maranhenses um lugar fantástico.

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