MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A LEI É PARA TODOS, MAS A IMPUNIDADE, PARA POUCOS



25 de setembro de 2013 | 2h 07


José Nêumanne* - O Estado de S.Paulo


Na teoria, os seis ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que votaram pela aceitação dos embargos infringentes dos condenados do mensalão que tiveram quatro votos contra a sentença majoritária se inspiraram na mais nobre das intenções, a de garantir plena defesa a réus julgados não em última, mas em única instância. Os ex-dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT) e no primeiro governo federal deste José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha, entre outros, foram beneficiados por um princípio jurídico cuja definição - "garantismo" - não consta do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Mas tem sido tão usado em discursos no mais alto tribunal que pode até ter entrado no pequeno universo vocabular da grande massa da população. No "juridiquês", o termo pomposo significa direito à defesa total. No popular, empurrão com a barriga ou impunidade.

A reportagem de Valmir Hupsel Filho e Fausto Macedo na edição de domingo (22 de setembro) deste jornal não deixa dúvida quanto a isso. Pelas contas dos repórteres, "chance de novo julgamento no STF pode adiar sentença de mais 306 ações penais". Ou seja, a oportunidade dada por seis em 11 ministros supremos aos petralhas-em-chefe, num processo que dura mais de sete anos para julgar delitos de que são acusados há mais de oito, esticará a delonga notória de que gozam réus em 306 ações penais e 533 inquéritos criminais, alguns dos quais se tornarão ações desde que as denúncias sejam aceitas pela Corte.

Entre estes há ex-inimigos do PT convertidos à grei dos comensais do poder socialista. De acordo com o levantamento dos dois repórteres, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), que de acusado de "filhote da ditadura" passou a aliado fiel na campanha vitoriosa de Fernando Haddad à Prefeitura paulistana, responde a duas ações por crimes contra o sistema financeiro nacional. Numa delas, a 461, de 2007, também é acusado por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e ocultação de bens.

Caso similar é o de Fernando Collor de Mello, a quem a bancada petista negou até o direito de renunciar para lhe impor a humilhação do impeachment, interrompendo mandato que ganhou nas urnas contra o principal líder dela, Luiz Inácio Lula da Silva. De volta à política como senador de Alagoas pelo PTB, depois de absolvido por inépcia da denúncia que o defenestrou do cargo máximo do Poder Executivo, pertence à base de apoio, na qual tem prestado relevantes serviços ao governo do PT, PMDB e outros aliados. Ele é réu em duas ações desde 2007: numa é acusado por cinco crimes, entre os quais corrupção passiva e ativa, e em outra, por delitos contra a ordem tributária.

Outro beneficiário da decisão da maioria do plenário do STF é o maior partido da oposição ao governo a que Maluf e Collor dão apoio parlamentar - o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Desde 2009 o deputado federal Eduardo Azeredo (MG) responde à Ação Penal 536 pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e ocultação de bens e valores. O caso é conhecido como "mensalão mineiro" e inspira o mantra com que os petistas cobram tratamento igualitário da Justiça.

Pois é exatamente de tratamento desigual que se trata. Dirceu, Genoino, João Paulo, Maluf, Collor e Azeredo, entre tantos outros, gozam de dois privilégios negados aos lambões de caçarola das periferias metropolitanas e aos mutuários do Bolsa Família nos sertões. O primeiro é o acesso à última instância do Judiciário, reservada para quem possa pagar - ou quem tenha amigos dispostos a fazê-lo - os advogados mais caros. Outro, ainda mais incomum, é o da instância única. Mandatários do governo e da oposição são poupados dos contratempos dos julgamentos em baixas instâncias da Justiça pelo chamado "foro privilegiado" e respondem direto à Corte máxima do Judiciário.

Não foi, então, por coincidência que a sexta e decisiva adesão ao recebimento dos embargos - e é bom que se diga que há fundamento jurídico para qualquer decisão que ele tomasse - tenha sido feita pelo decano Celso de Mello, autor do mais candente voto contra a compra de apoio político no julgamento propriamente dito. O infecto sistema prisional brasileiro, de que reclama o ministro petista da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, o causídico casuísta, é um inferno onde só entram os velhos três pês de sempre: pobres, pretos e prostitutas. Clientes de clubes, alfaiates e restaurantes frequentados por maiorais do Poder republicano que julga são poupados de dissabores como o cumprimento de pena em insalubre prisão fechada.

Sem ser injusto com o decano - cinco pares votaram com ele -, mas apenas para aproveitar a oportunosa ensancha da citação com que abriu seu voto de desempate (e não de Minerva, pois a deusa romana, coitada, nada tem que ver com isso), o patrono dos majoritários na decisão foi trazido a lume por ele. Poderia ter sido o udenista (condição política execrada pelos réus beneficiários) Adaucto Lúcio Cardoso, que preferiu abdicar da toga a submeter-se à arbitrariedade da ditadura militar que chegou a apoiar. Mas foi José Linhares, o presidente do Supremo que passou à História por ter sido alçado à chefia do Executivo pelos militares nos 93 dias entre a queda do Estado Novo e a posse do primeiro presidente que governou sob a Constituição de 1946. E que ganhou a jocosa alcunha de Zé Milhares, dada pelo populacho que não tem acesso ao Supremo por causa da profícua nomeação de parentes, pela qual sua curta e medíocre gestão se tornou notória.

Parece lógico ter-se o voto decisivo pela aceitação dos embargos inspirado no juiz que simboliza o nepotismo nesta República em que nomear parentes para o serviço público é uma das piores pragas. Não tem esse vício DNA idêntico ao da impunidade de poucos no império da lei para todos?

*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor.



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