MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

sábado, 8 de novembro de 2014

JUIZ NÃO É DEUS



REVISTA ÉPOCA 07/11/2014 21h08

O juiz dirigia sem habilitação. Foi multado, estrilou e quis prender a fiscal. Quem ele pensa que é?

RUTH DE AQUINO



Todo juiz que se sente ofendido ao ouvir que “não é Deus” deveria buscar uma terapia para curar a onipotência. Juízes têm a função de julgar, mas estão muito longe de ter a prerrogativa do juízo divino. Não estão acima do bem e do mal.

Por conhecer a fundo as leis, juízes não têm desculpa para violar ou desrespeitar o Código Civil. Espera-se dos juízes, mais que dos leigos, um comportamento ajuizado – é só observar a raiz do adjetivo. Juízes podem, todavia, errar. São humanos, não são deuses.

O juiz João Carlos de Souza Correa abusa do direito de errar. Em fevereiro de 2011, no Leblon, bairro nobre da Zona Sul do Rio de Janeiro, ele foi parado numa blitz da Operação Lei Seca. A fiscal de trânsito Luciana Tamburini, de 34 anos, verificou que ele não estava com sua carteira de habilitação e que seu carro, um Land Rover, não tinha placas nem documentos. Mandou rebocar o carro – cumprir a lei.

Em vez de se resignar por ter sido flagrado em delito, João Carlos não gostou. Identificou-se como juiz de Direito. “Ele queria que um tenente me desse voz de prisão”, disse Luciana. “O tenente se recusou, e o juiz ligou para uma viatura. Os PMs tentaram me algemar e disseram que o juiz queria que eu fosse para a delegacia. Respondi que ele queria, mas não era Deus.”

Informado pelos PMs do que Luciana dissera, João Carlos começou a gritar e lhe deu voz de prisão. Chamou-a de “abusada”. Luciana confirma que são comuns as “carteiradas” de poderosos, do tipo “você sabe com quem está falando?”, mas é raro o infrator se descontrolar a esse ponto.

Ela abriu uma ação contra João Carlos por danos morais depois de sofrer, no Detran, uma sindicância interna, sob pressão dele e de sua mulher, para apurar seu procedimento na blitz. O desfecho na Justiça é uma ode ao corporativismo. O desembargador José Carlos Paes inverteu a ação e condenou Luciana a pagar R$ 5 mil de danos morais a João Carlos, por ter ofendido o réu e “a função que ele representa para a sociedade”. A sentença, datada do último 22 de outubro, é surreal. Vale ler um trecho:

“A autora, ao abordar o réu e verificar que o mesmo (sic) conduzia veículo desprovido de placas identificadoras e sem portar sua carteira de habilitação, agiu com abuso de poder, ofendendo este, mesmo ciente da relevância da função pública por ele desempenhada. Ao apregoar que o demandado era ‘juiz, mas não Deus’, a agente de trânsito zombou do cargo por ele ocupado. (...) Pretendia afrontar e enfrentar o magistrado que retornava de um plantão judiciário noturno”.

Você ficou com pena de João Carlos? O que esperamos nós ao encarar uma blitz sem carteira de motorista, sem placa e sem documento? O embate com João Carlos assustou a mãe de Luciana, que nem queria mais deixá-la sozinha em casa. “Quando a gente faz o que é certo, não tem por que ter medo”, disse Luciana. O caso deverá ir agora para o Superior Tribunal de Justiça. “Vou até o final, não me arrependo de nada.”

O juiz João Carlos não é estreante em confusões. Em 2007, como titular em Búzios, no litoral norte do Rio, tentou forçar um transatlântico com turistas a abrir para ele as lojas do free shop. Deu voz de prisão a uma jornalista, Elisabeth Prata, por calúnia e difamação. Ela passou 12 horas detida, foi condenada a cinco anos de cadeia e teve de provar sua inocência. Em 2010, João Carlos foi investigado pelo Conselho Nacional de Justiça por decisões duvidosas que envolviam disputas fundiárias e imobiliárias na Região dos Lagos. Parece que ele pensa mesmo ser Deus.

Nas redes sociais, a história de Luciana deslanchou uma onda de solidariedade. Uma advogada paulista, Flavia Penido, leu os autos do processo, ficou indignada com “o show de horrores” e, mesmo sem conhecer Luciana, abriu uma vaquinha virtual para arrecadar o valor da multa e dar a ela apoio emocional. “A gente deveria brigar menos nas redes sociais por besteira e canalizar essa energia para atazanar quem realmente merece ser atazanado”, disse Flavia. Até a sexta-feira, já haviam sido coletados mais de R$ 20 mil. Luciana ficou surpresa e feliz. Disse que doará o excedente. Contou que seu maior desejo é ganhar a ação, sem precisar tocar no dinheiro arrecadado. Hoje licenciada da função, Luciana aguarda nomeação na Polícia Federal. Quer ser delegada.

Será que João Carlos sabe com quem está lidando? Com a opinião pública.

O Brasil convive com muitas arbitrariedades cotidianas. Cansa. É uma vida às avessas, que embaralha os conceitos, beneficia os espertos e prejudica os honestos. Para ser excelentíssimo, é preciso impor respeito pela integridade. Para mudar o país, não basta rezar. Um bom começo é saber que ninguém aqui é Deus. Nem o senhor doutor João Carlos de Souza Correa. Amém.

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