MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

domingo, 8 de março de 2015

JUDICIÁRIO PRECISA SE APROXIMAR DO CIDADÃO

ZERO HORA 07/03/2015 | 16h01

Gilson Dipp: "Delação premiada não é para ladrão de galinha". Ex-ministro do STJ fala sobre a Operação Lava-Jato e afirma que o Judiciário precisa se aproximar do cidadão

por Guilherme Mazui



Dipp levanta o questionamento filosófico sobre se a verdade, por si só, dever ser premiada ou é uma obrigação Foto: Guilherme Mazui / zero hora


Poucos brasileiros conhecem tão bem as entranhas do Judiciário como o ministro Gilson Langaro Dipp. Defensor da transparência e da independência dos magistrados, este gaúcho de Passo Fundo promoveu na função de corregedor nacional de Justiça uma auditoria nos tribunais do país. Traduziu em números e exemplos as falhas do sistema e apontou metas para corrigi-las.

– O Judiciário precisa estar perto do cidadão –repete o ex-magistrado.

Aposentado desde setembro de 2014, quando completou 70 anos de idade e 25 de magistratura, Dipp dedica as novas horas livres à família, sem abandonar o Direito. Dá palestras, faz estudos e prepara livros sobre a lei anticorrupção e a delação premiada, termo da moda com a Operação Lava-Jato.

Dipp tem muito a contar e ensinar. Além de corregedor, foi desembargador, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por 16 anos, ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidente do grupo que elaborou o anteprojeto do novo Código Penal e integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Experiência suficiente para reconhecer avanços, mas também para dizer sem titubear que o Judiciário “ainda está deixando muito a desejar”.

Entre o escândalo do mensalão e o começo do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), correram sete anos (2005 a 2012). Com os políticos da Operação Lava-Jato, deve levar tanto tempo?
Tenho a impresso de que não. Com a mudança no regimento do Supremo, quem preside o inquérito é o ministro em uma das duas turmas, ou seja, não mais no plenário, o que já acelera a tramitação. A Procuradoria-Geral da República (PGR) apenas pediu aberturas de inquéritos, ainda vai demorar, mas creio que será mais rápido do que o mensalão.

Antes de protocolar os pedidos de abertura de inquérito no STF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, avisou políticos sobre a lista de possíveis investigados, informação que chegou a Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), presidentes da Câmara e do Senado. Essa comunicação poderia ter sido feita?
Não há obstáculo para que o procurador-geral faça a informação. Pelo o que se lê na imprensa, em ocasiões passadas de casos relacionados a parlamentares, procuradores informaram ou notificaram por escrito o investigado. Não vejo problema de informar os presidentes da Câmara e do Senado. Leio que não foi dado conhecimento do conteúdo dos pedidos, foi informado apenas de que haveria pedido de inquérito. Não influenciará a investigação.

Quais os reflexos de os presidentes da Câmara e do Senado serem investigados por corrupção?
Esta é apenas a fase de pedido de abertura do inquérito, é para que se aprofunde a investigação. A denúncia pode nem ocorrer, mas institucionalmente não é uma situação confortável.

Janot fez 28 pedidos de abertura de inquérito, que envolvem pessoas com e sem foro privilegiado. Será possível manter a tramitação de todos os citados no STF?
Vai depender da decisão do relator e do próprio Supremo, porque podem aparecer fatos e atuações de pessoas com e sem foro que estão umbilicalmente ligados. Seria quase impossível produzir provas em separado.



Gaúcho de Passo Fundo, Gilson Dipp presidiu o Conselho Nacional de Justiça de 2008 a 2010 (Foto: José Cruz, ABR, BD, 23/07/2010)

O procurador descartou a investigação contra a presidente Dilma Rousseff e o senador Aécio Neves. No caso de Dilma, ele citaria como justificativa o argumento de que o presidente só pode ser investigado por fatos relacionados ao exercício do cargo. Rodrigo Janot acertou?
Não conheço os detalhes do caso. Se os fatos que estão sendo apurados forem anteriores ao exercício da Presidência, o procurador-geral está muito certo. Em princípio, estaria coerente com as leis e a jurisprudência.

Causou polêmica a suspeita de pressão do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no procurador-geral da República. É a atuação que se espera de um ministro?
O ministro da Justiça deve ter contatos institucionais. Não posso afirmar que foram feitos contatos com o procurador-geral no sentido de pressioná-lo. Estamos falando sobre hipótese, que não acredito que se confirme, porque conheço Cardozo e Janot. Se ocorreu, não foi um ato correto. E acredito que não teve efeito.

O ministro Cardozo defendeu sua ação ao receber advogados de empreiteiras investigadas na Lava-Jato, que reclamaram de excessos da Polícia Federal (PF). Em tese, terá de manter essa postura com todo advogado que achar que a PF se excedeu?
Em tese, se ele recebeu alguém que queira falar sobre excessos na atuação da Polícia Federal, deveria receber todos aqueles que fizerem o mesmo pedido, não importando a dimensão ou a grandiosidade dos envolvidos.

O senhor é estudioso da legislação de combate aos crimes financeiros. Qual o impacto da Operação Lava-Jato nesse tema para o país?
É uma situação sui generis porque envolve a maior empresa estatal do Brasil e porque o mesmo processo está tramitando no STF e na primeira instância. É a primeira vez que o Judiciário enfrenta este problema, não há doutrina, não há jurisprudência que diga como vai se colocar uma colaboração premiada que está sendo feita no primeiro grau, mas tem de ser homologada pelo ministro do Supremo. Ainda há um aspecto ético e filosófico: a verdade, por si só, deve ser premiada ou é uma obrigação?

A delação premiada pode virar rotina?
A colaboração premiada não é para qualquer crime, ela está no contexto da lei que tipifica a organização criminosa. Delação premiada não é para ladrão de galinha. Dependendo da gravidade, e se o crime for praticado por organização criminosa, possivelmente seja mais utilizada. A delação premiada tem de ser voluntária, com acordo entre investigação, polícia, acusado e advogado. A delação é um método de investigação para obtenção da prova, por isso que é sigilosa no primeiro momento e não pode ser compartilhada nas CPIs do Congresso.

Qual a avaliação da atuação do juiz federal Sergio Moro, responsável pela Lava-Jato na primeira instância?
Conheço o Sergio de palestras. Ele é um juiz competente, técnico, culto e sério. Ele está aplicando a lei. Se ele está sendo justo, quem poderá dizer será um tribunal superior ao examinar sua decisão em grau de recurso.

E no Supremo, as ações da Lava-Jato estão em boas mãos com o ministro Teori Zavascki?
Teori é um cara isento, sério, competente, ponderado e discreto. É um exemplo de magistrado. O processo está em boas mãos.

Como corregedor nacional de Justiça, o senhor insistiu na transparência. O Judiciário melhorou ou segue fechado?
Tive a felicidade de pegar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com uma boa composição e um presidente muito atuante, o Gilmar Mendes. Vimos que até 2008 o CNJ não tinha realizado os propósitos para os quais havia sido criado. O Judiciário brasileiro era ininteligível. Na Justiça Militar, Federal, Estadual, do Trabalho não havia diálogo e planejamento. Com as inspeções em tribunais, audiências públicas e verificações de metas, o Judiciário ficou muito mais transparente do que era.


Em 2012, Dipp (à direita) foi o primeiro coordenador da comissão que resgatou os crimes da ditadura (Foto: Roberto Stuckert Filho, PR, BD, 16/05/2012)

O magistrado, em geral, aceita a transparência? Ministros do Supremo reclamam para abrir salários, gastos com diárias e passagens áreas.
Teve resistência e tem em todos os setores do serviço público das três esferas de poder. Fica mais chocante quando o Judiciário, exemplo de guardião das liberdades e da lei, tenta se manter incólume. Talvez no Judiciário, por corporativismo, por aquela posição antiga do magistrado se considerar acima das questões terrenas, houve uma maior dificuldade para a transparência. Vale lembrar que subsídio de um juiz e suas vantagens são legais. Não se justifica a resistência da abertura plena de todos os aspectos administrativos.

O juiz está acostumado a julgar. Ele tem dificuldade quando é julgado?
É chocante para o próprio magistrado, para a instituição e para a sociedade quando um juiz que, em tese deveria zelar pela atividade disciplinar e pela conduta, tenha de ser julgado pelos seus pares. É chocante.

Causou polêmica o caso do juiz federal Flávio Roberto de Souza que usou o Porsche apreendido de Eike Batista. O magistrado errou?
Fatos como esse são graves. Hoje, qualquer ato de ferimento da conduta do magistrado é detectado. Qualquer pessoa tira uma foto com um celular, a imprensa está vigilante, a sociedade, mais exigente, o que é bom. O juiz que usou o Porsche, o juiz que não quis ser alvo da blitz da Lei Seca e o juiz que deu ordem de prisão no aeroporto cometeram atos prepotentes, que mancham a magistratura. Sempre existiram atos assim, mas hoje a reação é maior. Os tempos mudaram.

No CNJ, o senhor foi entusiasta do começo das inspeções. O que mais lhe impressionou?

A magistratura ficou chocada com a falta de gestão, principalmente nos tribunais dos Estados menos desenvolvidos. Verificou-se ausência de concursos públicos, falta de efetividade das corregedorias, subjetivismo e falta de clareza nas promoções. Fiz uma brincadeira uma vez, principalmente, sobre os tribunais de segundo grau. Falei que eles eram compostos por duques, barões, condes, viscondes e um rei que reina por dois anos, o presidente do tribunal.

O Judiciário atende com qualidade o cidadão?

O Judiciário ainda está deixando muito a desejar. A eficiência da qualidade de um serviço é medida pelo grau de satisfação da população. A cidadania brasileira acredita no Judiciário. Isso se traduz no número de processos, mas ela não acredita na sua efetividade. Temos um Judiciário mais autônomo, mas ainda temos de melhorar a gestão de processos. O Supremo tem a chamada repercussão geral, mas não se debruça sobre as questões mais importantes. O processo continua muito individual e pessoal.

Como é possível mudar esse predomínio do individual?
Debruçando-se mais sobre questões de repercussão geral, divulgando melhor os métodos alternativos de solução. Fala-se que a arbitragem é necessária e saudável, mas arbitragem é cara, não é para pobre, é para grandes empresas. A mediação é um instituto que não é divulgado, enquanto a conciliação vem desde a Justiça do Trabalho.

O senhor coordenou a Comissão Nacional da Verdade e se afastou por motivo de saúde. Por que não retornou?
Todas as comissões da verdade da América Latina tiveram divergências. Entre 2012 e 2013, fiquei quase seis meses hospitalizado. Voltei ao STJ, mas não quis retornar à comissão porque a saúde pesou. Antes da internação, ao mesmo tempo eu coordenava a Comissão da Verdade, presidia a comissão do anteprojeto do Código Penal, seguia no STJ e no TSE.

Qual a avaliação do relatório final da comissão?

Tínhamos décadas de bibliografia, de documentos, de material que já estavam colocados à disposição. A comissão não tinha obrigação de encontrar um corpo a cada dia. Ela conseguiu compilar todos os acontecimentos, dar um sentido histórico na recomposição da verdade e na restauração da memória de um período ditatorial. Não foi mais além porque não pôde.

Por que não pôde?
Acho que o ambiente político não era propício. Não sei se havia unanimidade entre os membros, mas a comissão foi dentro do possível até o limite que poderia chegar, nominando operadores, desaparecidos. Não gosto de falar sobre isso, porque participei e poderia ter voltado, mas creio que a comissão poderia ter dado uma configuração mais forte, compilar e se integrar mais com as diversas comissões da verdade que foram criadas no país.

As Forças Armadas cooperaram?
A cooperação direta não chegou a ser feita. Houve muito diálogo, muita educação, mas todos nós sentimos que poderia ter havido maior colaboração. As Forças Armadas não são as mesmas da ditadura, a nova geração tem um compromisso com a democracia, mas há uma preocupação de proteger a instituição de desvios ilícitos ou crimes praticados num determinado período. Todos sabemos que a ditadura foi uma política de governo num determinado período, que teve apoio de parte da sociedade civil e empresarial.

O relatório recomendou rever em parte a Lei de Anistia. É possível?
Pessoalmente, acho que a Lei de Anistia deve ser revista. Do ponto de vista técnico, já está em parte revogada, independentemente de decisão do Supremo. A emenda Constitucional 26 retirou do texto os crimes de qualquer natureza. Não há palavras vagas em emenda constitucional. O conceito de crime abrangido pela anistia é o de crime político e conexo. No sentido técnico, muitos destes antigos crimes conexos poderiam, em tese, ser objeto de ação penal.

A tortura não pode ser considerada um crime conexo?
Não pode. No anteprojeto do novo Código Penal, colocamos a figura de crimes contra a humanidade, definimos o que é tortura, desaparecimento forçado de corpos.

Sobre o novo Código Penal, quais são os avanços previstos?
O atual Código Penal é de 1940. Em sete meses, fizemos um anteprojeto atualizado à Constituição e à nova realidade do país. Trouxemos para o código os crimes ambientais e os eleitorais, propusemos a criação de tipos penais novos, como o enriquecimento ilícito, a tipificação do terrorismo com a preocupação de não criminalizar os movimentos sociais. Queremos um código que sirva para o executivo da Avenida Paulista e para o ribeirinho do Amazonas.

O Congresso adquiriu um perfil mais conservador nas últimas eleições. Visões progressistas poderão ficar de fora do novo Código Penal?
Tínhamos a ideia de ampliar as possibilidades do aborto legal, como em caso de feto anencéfalo, e de não criminalizar o uso pessoal de drogas numa determinada quantidade. Espero que o novo Congresso seja sensível à realidade social do Brasil. Não acredito que o parlamentar possa se guiar apenas por interesses corporativos, religiosos, filosóficos ou de representantes de alguma bancada. O anteprojeto já está sofrendo modificações no Congresso, o que é legítimo. Creio que a ideologia do código será mantida.

Qual a sua opinião sobre o auxílio-moradia aos juízes?

Votei a favor do auxílio-moradia em matéria administrativa, no sentido de que era devido, exceto para o aposentado. Não chegamos a discutir o caso do magistrado que já tem moradia própria. Posso ser juiz com imóvel em Porto Alegre, mas trabalhar em Quaraí. Isso é uma questão administrativa dentro dos limites reais a serem discutidos nos tribunais. Tem de se verificar caso a caso. É preciso uma interpretação equalizada do benefício. Certas situações poderão ser lapidadas com o decorrer do tempo e por decisão judicial daqueles que não se conformarem.


Após 16 anos no Superior Tribunal de Justiça, Dipp se aposentou no ano passado, ao completar 70 anos (Foto: STJ, divulgação)

A categoria não deveria levar em conta o cenário das contas públicas?
O juiz é um servidor público. Ele é encarregado a prestar um serviço essencial à população e tem de ser remunerado. Evidentemente que as reivindicações são legais e legítimas, mas é preciso sensibilidade social de que o país tem uma desigualdade social muito grande.

O Congresso deve aprovar a chamada PEC da Bengala, que vai esticar dos 70 para os 75 anos a aposentadoria dos ministros de tribunais superiores. O senhor se aposentou ano passado, aos 70. Qual a sua opinião a respeito dessa PEC?
Desde que entrei na magistratura se fala dessa PEC. Do ponto de vista dos avanços da medicina, do índice do tempo de vida das pessoas, da lucidez, é uma boa medida. Contudo, esse aumento inclui todo o serviço público federal, mediante lei complementar, que não acredito que seja apreciada nos próximos anos. Vai mexer com todas as carreiras, inclusive as que têm especificidades próprias, como os casos das Forças Armadas e do Itamaraty. Essa é uma discussão mais profunda.

Mas o senhor considera que seria capaz de manter a excelência do trabalho por mais cinco anos?
Tem vários ministros aposentados que dão exemplo disso. Me considero muito mais experiente, tanto que estou escrevendo, dando palestras aqui e no Exterior, reabilitei minha inscrição na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Particularmente, me sinto em melhores condições na atividade judicante do que quando eu deixei o STJ.

Qual a sua rotina de vida após a aposentadoria?
Aprendi na vida a virar a página. Tive a sorte de me aposentar dentro de um ciclo de palestras, elaboração de estudos e livros, me dedicando à interpretação da lei anticorrupção. Minha inscrição na OAB foi reabilitada, como já disse, mas não pretendo fazer uma advocacia convencional. Não tenho a pretensão de ficar dando pareceres. Só sei que de tédio ainda não sofri. E nem coloquei o pijama.

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